sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fragmento de um diálogo que eu não sei o que é!

A-Oi! Você! Meu Deus! Há quanto tempo?
B-Anos, uns 3 ou 5 anos , não tenho certeza.
A-Você está ótimo. Sempre se cuidando. Você não envelheceu um mês se quer.
B-Envelheci sim. Mas tenho disfarçado. Duas hora por dia numa academia... No mínimo... Eu ficaria feliz de te ver, não fossem as circunstâncias.
A-Você foi lá dentro.
B-Fui.
A-Eu acabei de chegar. Ainda não entrei. Sei lá. Queria me lembrar...
B-Não entre. Melhor se lembrar dele do jeito que ele era. Alegre, animado. Sempre contando uma piada. Fazendo uma graça de duplo sentido com aqueles olhos de criança... Os remédios, me disseram, fizeram ele inchar muito. Você não o reconheceria.
A-E a Sarah? Ela está...
B-Sarinhah teve uma crise nervosa, foi levada pra casa agora mesmo... Tadinha... Teve um ataque de choro, questionou a vida, questionou a Deus. Você pode imaginar a Sarah questionando os desígnios divinos?
A-Duro né? Perder o amor da vida assim de uma forma besta.
B-Ele estava cantando. Torcendo pelo time de futebol. Caiu no chão estatelado. Do nada. Teve uma pequena convulsão...
A-Você estava lá?
B-Estava. Fui eu quem pegou ele no colo e botou no carro. A gente correu pro hospital...
A-Ele era tão forte, tão saudável... tão jovem.
B-Até quando seremos jovens?
A-Ele vai ser jovem pra sempre.
B-Você ainda se considera jovem?
A-Não sei mais. Aqui dentro eu sei que eu sou jovem. Um menino. Mas a casca...
B-A alma!
A-A alma!
B-Você tem visto a Alma?
A-Estive com ela semana passada. Tá ótima. Ela, enfim fez a cirurgia.
B-Não acredito.
A-Encontrei com ela , ela me confidenciou. Não conta pra ninguém. É meio que segredo. Ela quer fazer uma surpresa pra todos no fim do ano.
B-Aiaiai... Acho que não teremos grandes festas este ano. Falta tão pouco e já vai ser réveillon.
A-Será que ela está sabendo?
B-Não sei... Não falei mais com ela desde... Faz uns 3 ou 5 anos.
A-Acho que isso é coisa da idade... Os tempos pequenos ficam confusos. E às vezes parecem insignificantes.
B-Pro nosso amigo não há mais tempo.
A-Ah, dependendo do que você acreditar ele tem agora todo o tempo do mundo.
B-É numa hora assim que eu me pergunto no que é que eu acredito? Um homem bom, forte, saudável, apaixonado, sem vícios, trabalhador, tinha mulher, casa própria, tava ensaiando pra ter um filho... Cai morto assim, sem mais nem menos. O que resta pra gente acreditar? Que tem uma luz no fim do túnel?
A-Bom, se isso é verdade nosso amigo viu a luz e caminhou para ela.
B-Ai que horror! Piada besta!
A-Desculpa , eu não pude evitar.
B-Sei. Às vezes é difícil pra você evitar coisas.
A-Não sei do que você está falando. Eu sou um grande evitador de coisas que não me aprazem.
B-Mas essa piadinha infame te apraz... Você não tem jeito mesmo. Penso que cagar na calçada te apraz então... ahahahahahahahaha... Eu não acreditei naquela noite que você parou o carro, desceu e cagou na calçada. A gente tava onde mesmo. Em São Paulo, na Alameda Franca. Ahahahahahahahaha. Você cagou na calçada.
A-Foi a comida daquele restaurante. Era muito gordurosa.
B-Essa memória é mais fresca. Faz dez anos. Faz dez anos eu tenho certeza. Ai o tempo.
A-O tempo está passando.
B-E nós dois aqui falando dele como se fossemos velhos.
A-Você ainda se considera realmente jovem?
B-Bom... eu posso andar, posso correr, posso beber uma noite inteira. Posso trepar, posso fazer musculação, ainda trabalho, dirijo, enxergo
A-Mais ou menos...
B-Miopia não tem nada a ver com a idade.
A-Você devia operar isso.
B-Você sabe que eu tenho medo. E se essa merda não corrigir a miopia e eu nunca mais puder usar lente de contato. Porque é isso que acontece com quem opera, fica uma cicatriz invisível, mas que te aleija para sempre no seu direito de usar uma lente de contato. E então eu teria que usar óculos para sempre. Para sempre. Em todos os jantares, festas, baladas, réveillons, velórios eu estaria lá com meus óculos me pesando no nariz e contando pra todo mundo que eu não sou perfeito.
A-Engraçado, quando eu era criança eu queria usar óculos.
B-Eu cheguei a fazer uma promessa pra nossa senhora. Ela me atendeu. Mas eu esqueci de pedir pra ela me dar só assim, meio grau, pra eu fazer aquele charminho intelectual no cinema ou no teatro. Que tira os óculos do bolso e põe no rosto para ver o filme e depois do filme limpa caprichosamente as lentes enquanto tece comentários sobre a forte influencia do expressionismo alemão na obra do jovem cineasta Iraniano.
A-Você queria usar óculos pra poder comentar filmes chatos?
B-E envelhecer calmamente acariciando um gato nos fundos do antiquário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário