quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Revolução da fofa


Acordou numa revolta de arrancar os lençóis da cama e jogar pela janela. De jogar o colchão pela janela. Quase numa possessão. Forma bonita de começar o dia pensou.
Mantenha a fé! Acredita! Tudo vai dar certo! É só uma fase! Você vai ver que jajá passa!

Ela cansou de ouvir todas essas histórias. Ela ia ter fé em que?

Com os meses os e-mails foram diminuindo, diminuindo e se não fossem as corrente, os powerpoints, os clique aqui e doe pras crianças na África, Tantra Totem, a corrente positiva da luz violeta, a conjunção dos planetas que só ocorre de 237 em 237 anos, o poder das 11h11min, e a porra da foto do Buda que traz um dinheirinho extra ia se sentir completamente excluída da sociedade.

Recebeu da irmã um livro de auto ajuda, da mãe uma novena, da amiga a receita de um banho infalível pra abrir os caminhos e outro pra arrumar marido. Ouviu Vanusa. Saiu pra dnçar. Chorou. Deu muita risada. Fez tudo resultando em nada.

Era isso então.  Viu a luz. Tudo mentira.
Amor da certo. Se num deu certo não havia amor. De um lado ou do outro, ou mesmo dos dois.
 Os amigos estão aí pra fazer companhia e só. Ninguém ajuda ninguém.
A família, sem querer, quer mais é que você quebre a cara quando os seus planos são diferentes dos dela só pra depois te dizer: Eu avisei.
Deus tem mais o que fazer.
O jogo é esse. A vida é justa.  O que está errado só você pode consertar. E consertar sozinha. Sem esperar nada de ninguém, nem compreensão.
Recebeu a novidade como um balde de água gelada na cara e rapidamente se lembrou de que água gelada era o segredo de beleza de muitas mulheres. Então vamos aproveitar.
Saiu pra correr. Voltou , foi tomar um banho. Quando ficou pelada na frente do espelho percebeu seu corpo. Sim, havia quilos a mais. Sim a pele não era mais a mesma, ruguinhas apareciam, cabelos brancos apareciam, mas ainda assim era mais bonita do que muita gente. Mais bonita até do que muita gente mais nova se sentiu privilegiada. Era privilegiada. Bonita, culta, inteligente, divertida, sexy, tinha bom gosto e diversos talentos. E isso foi motivo mais do que suficiente pra se sentir feliz.
E foi quando, depois de muito tempo, ela experimentou, só com ela mesma, essa sensação boa e tranqüilizante é que ela viu a saída do buraco.
Descobriu que a felicidade era só dela e que ninguém , nem nada no mundo podia retirar isso da sua vida.
Ficar triste é um jeito disfarçado de pedir aos outros que tenham pena de você. Ficar triste é autocomiseração travestida de sentimento nobre.
Se lembrou de tudo o que gostava e que foi deixando pelo caminho para agradar a fulano, a sicrano e às opiniões de quem importa. Descobriu que quem importa não te julga.
Recuperou seus afetos pro baú do tesouro.
Lembrou de tudo que a irritava e decidiu abandonar de vez. Que toda irritação é peso, é bagagem indesejada. Limpou mailling, sites de relacionamentos, agenda do celular, gavetas.Se desembaraçou de lembranças, idéias aprendidas, conceitos e pessoas.
Aparou todas as abas. Jogou fora tudo o que guardou pensando que um dia talvez fosse útil. Esse dia “talvez” não existe.
Jogou fora toda e qualquer esperança antiga. Jogou fora toda e qualquer esperança consciente de que se não for pelo seu próprio esforço pessoal nada melhora nunca.
Reviu todos os conceitos positivistas infundados que estava de saco cheio de querer encarar como verdade universal. Ninguém tem a verdade. Quanto mais certeza uma pessoa tem  pode saber que menos ela sabe, mais insegura ela é e mais longe de um caminho ela se encontra.
Entendeu, finalmente, que pouca gente realmente se importa e mesmo quem se importa tem coisas mais importantes pra fazer. Que frases como: Boa sorte! Olha, eu  quero que você seja muito feliz!  Sinto muito carinho por você... na maioria , mesmo, das vezes não passa de  blablablá. Pra essas aprendeu a responder: Da mesma forma! e descobriu que funcionava como um espelho.
Que sarcasmo não é necessário, só serve pra fazer piada e pra usar com gente inteligente. Gente burra não tem senso de humor e toma tudo na vida como ofensa.
E esqueceu todos os seus sonhos porque sonho não leva ninguém a lugar nenhum.
Daqui por diante seria assim. Sem dor, sem sofrimento, sem esperança. Energias concentradas todas elas no fazer.
É pra matar um leão por dia? Matarei. Um só é fácil. Força pra isso  eu tenho.
E quer saber? Se a vida me der um limão espirro o suco no olho dela e fujo dessa desgraçada. Vou procurar uma vida mais doce. Eu posso não esar fazendo propaganda da L’oreal, mas eu mereço!
Fofa é a puta que o pariu.
E se jogou na vida nova, sem medo, sem culpa e sem tristeza... Pra sempre.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Ponderções a respeito de nada ou quase nada.


Quanto tempo dura uma memória que não se pretende guardar? Daquelas que vêm sem saudades nenhuma, só pelo hábito?
 Coisa estranha a memória. Às vezes tem vontade própria. Às vezes prega peça. Nunca me lembro o nome do filme, do ator, do cantor ou da música. Do diretor então nem se fala. Não me lembro o que vai na receita. Não me lembro muitas vezes de alguma coisa que no trabalho em algum momento eu pensei, não posso esquecer isso e preciso falar com fulano. E quando encontro fulano a única coisa que me vem é preciso te dizer uma coisa importante, mas agora não lembro o que é. E do nada, no meio do dia chega a informação tão importante da qual não me lembrava.
Tem um monte de verso, de poema, de prosa que eu ia adorar me lembrar. Conheci um ator que quando decora o texto nunca mais esquece. Eu nunca fui assim. É acabar a última apresentação e mágica. Lá se foi o texto pro mesmo lugar onde vão os guarda chuvas perdidos. Não acho nunca mais. Sempre morri de preguiça de voltar em cartaz por causa disso. Ter que decorar de novo.
E quando a gente pensa:  posso esquecer isso, daí parece que encalacra no neurônio. Não sai, não passa. Acho que só com o tempo, com a poeira cobrindo. Com coisas novas tampando.
 E me lembro agora que dezembro vai chegar. Já estamos em sagitário.  Já vem verão.
 Sem vontade de amar. Lembrei que nunca me senti assim.
Eu que sempre senti muito hoje tenho a ponta do meu nariz anestesiada. Não sinto nada. Já não dói, já não incomoda e mesmo a cicatriz que era certo que ficaria sumiu, antes da hora marcada. Outro dia lembrei de olhar lá e já não tinha. Não sinto nada nessa parte. Nada. Pode cutucar, pode mexer, pode mover pra lá e pra cá. Nada. O mais engraçado é que é o mesmo nariz. Não mudou. Olhando se diz que é o mesmo. Mas eu que sou aquele que nele habita sei.
Me ocorreu agora que a vida virou de ponta cabeça e todos os baldes entornaram. Tudo pelo chão. Passado que fiquei saí tentando encontrar panos para secar, não achei panos e olhando a água gostei dela ali, pelo chão, caminhando lentamente em todas as direções enquanto permanece no ponto aonde caiu primeiro.
É bom olhar pra água. Lembro que li isso. Dizem que estimula a intuição. Isso eu sempre tive muita. Mas pela minha própria vontade resolvo não acreditar nela. Um dedo podre pra o que diz respeito às intuições. Essa é uma coisa boa de lembrar. Talvez eu devesse tomar nota. Mas está aí uma coisa que eu sempre me esqueço. Cadê o papelzinho em que anotei?
 E uma intuição é só um raciocínio mais rápido que te leva a ler o final ainda no começo. Sem mágica. Só uma projeção racional da coisa toda. E disso eu também me lembro.
Preciso muito agora de você raciocínio. Preciso de você lógico e limpo. Preciso de você esperto e ágil.
Deve ser tão triste não ter consciência. Não saber o que é real. Sempre teve realidade demais na minha vida e ninguém me acredita quando digo. Tem gente que afirma mesmo que eu sou amalucado. Tem gente que ri na minha cara. Tem coisas que nunca vou esquecer.
Tem gente pra tudo. Tem gente legal, gente escrota, gente bonita e gente feia. Meu avo dizia que toda moça feia era boazinha. Senão era bruxa. Daquelas de nariz e queixo grandes. Com uma verruga na ponta de um ou de outro. Engraçado me lembrar de um avô que sequer conheci.
 E de repente me lembro do photoshop. Talvez tenham razão. Talvez eu seja maluco.
Quanto tempo dura qualquer coisa?  Ninguém sabe. Só uma coisa é certa. Passa
Esse texto, por exemplo, não faz sentido nenhum, mas eu tenho certeza que há de ter alguém que encontre nele aquilo que caiu dos baldes. Eu tinha dito que era água, né?
Lembrei.  Água é o que não é.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

The sun shines and the flowers blow in the garden!


 E aí? Tudo bem?
 Tudo ótimo, (meu cachorro adoeceu e tá me custando uma fortuna, esse ano o abono não sai por reflexo da crise mundial, minha mãe me liga todo dia perguntando quando casarei e lhe darei netos, meu namoro segue firme feito um prego na bosta, levei uma cantada constrangedora no trabalho de alguém que não seria bom magoar, minha irmã vem para o fim de semana com marido e filhos, os exames não acusam nada mas eu não consigo mexer os três dedos da mão direita que seguem inchados, e, tem um aumento de impostos bafejando a minha orelha para o ano que vem...)de vento em popa!
Porque é você cair na tentação de abrir o coração e lá foi. Some todo mundo. Todo mundo se ocupa, se atola e num aparece nem um corno pra tomar um chopp.
E a hora que você consegue pincelar de leve, mesmo que você termine com um : Mas vai melhorar! O colega encarna um guru indiano e fala: Mas olha, num dá pra reclamar da vida porque tem alguém pior que você. Você ta na merda mas tem um teto em cima da cabeça, tem comida no prato, tem pra onde ir...
Eita. Me deixa reclamar. Desopilar meu fígado. Não quero pena. Só quero poder falar. Parar com esse eterno fingimento politicamente correto de que está tudo bem.
Essa falsa alegria contemporânea.
Dá vontade de rir. Porque tá todo mundo muito bem. Todo mundo feliz. Sim, sim, dá pra notar.Se nota nos olhares perdidos das pessoas nas boates. Se nota nos comentários maldosos e preconceituosos. Se nota na acidez do dia a dia que vai tudo muito bem.  Se nota na agressividade no trânsito. Na falta de cordialidade e etiqueta. Nos prestadores de serviço sempre prontos a te tratar como lixo. Tá tudo bem. Aham, e o meu nome é Elizabeth e eu sou a rainha da Inglaterra. Tudo bem!
Dezoito estados do Brasil ficam sem luz e vem me dizer que tá tudo bem? O tráfico derruba um helicóptero e tá tudo bem? Pessoas correndo desesperadas com medo de tiroteio na cidade e tá tudo bem? Você anda tendo que olhar para os lados como se vivesse na floresta entre animais selvagens e tá tudo bem? Tem que colocar grades em tudo, daqui a pouco nas janelas do carro e ta tudo bem? O cara gasta R$ 30 mil num sistema de câmeras, avisa a polícia do assalto, a polícia chega antes, vai na casa vizinha, e tá tudo bem?
Bom, mas seguindo a regra. Tudo bem! To amando tudo. Achando tudo muito divertido e o futuro será melhor. Sim será melhor. A gente vê que vai melhorar.
Temos candidatos com propostas incríveis de governo. O capitalismo está colapsando e isso vai ser um Deus nos acuda. O sistema público de saúde faliu. Escola? Pra que escola?  O mundo acaba em 2012.
Surpresa, meus queridos, não vai acabar. Vai continuar. E vamos continuar remoendo nossos  probleminhas mesquinhos. Nossas miseriazinhas diárias. Nosso salve-se quem puder.
O tudo bem é um jeito de empurrar com a barriga. De fingir que não está vendo. Como fizeram com as favelas. Ah, tudo bem eles morarem ali. Facilita. É perto do trabalho. Eles não se atrasam. A gente não tem que pagar o vale transporte. Melhor.
E as pessoas morrem dentro de casa por causa de uma bala perdida. E isso pagando um IPTU de praia.
Porque o tráfico também é tratado como um probleminha. Uma coisa isolada. E a culpa é do usuário. Claro! Esses maconheiros! Que contribuem para o tráfico comprar suas armas.
 Mas a cachaça, que a maior causadora de desgraças sociais você pode comprar em qualquer lugar.
 Porque eu nunca vi alguém que tenha fumado um baseado provocar uma briga, chamar alguém pra porrada, buscar uma arma no armário. Agora bêbado eu já vi fazer de tudo.
Mas tá tudo bem.  Tá tudo ótimo. Vem uma comissão exotérica explicar o apagão! Olha como está bem.
O Sarney e o Collor no senado. Está tudo muito bem. A ministra da Casa Civil, que chama a repórter de “minha filha" diz  em março: “ Apagão não cai do céu. Apagão é não investir em geração e transmissão.” e em novembro: “Nós humanos temos um problema imenso. Não controlamos chuva, vento, raio”,  é bonito sarcasmo em léderes políticos, né? Acho que agora usa. Enfim ... Mas tá tudo muito bem. Muito bem mesmo. Talvez ela seja a próxima presidente.
Ih, pronto, um monte de gente vai discordar. Porque Deus te livre de não dizer amém pra tudo que o homem faça. Porque o homem é um santo imaculado. Parece até que estamos na Rússia comunista. Na China. E ele é amigo do Hugo Chaves. Aquele que disse o que é que custa o sujeito pegar uma lanterna pra ir ao banheiro de madrugada, vamos racionar energia.( Diga-me com quem andas e te direi se vou. )Olha como está tudo bem.
Eu to bem. Eu to ótimo. Eu fico muito bem assim, azul de bolinha roxa!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Los Abrazos Rotos

 Como disse o próprio Almodóvar, uma declaração de amor ao cinema.


Lindo, acima de tudo é um filme lindo. Quadros, cenários, figurinos, locações, atores, atrizes e a estética maravilhosa de Almodóvar em toda a sua exuberância. O filme é chique, atuações chiques, a direção é chique. O roteiro é uma delícia, uma história gostosa de seguir e que você gostaria que nunca acabasse. Que fosse possível fazer amizade com os personagens e conviver com eles pelo resto da vida. Penélope está maravilhosa. Linda, segura, um trabalho muito bom. Realmente ela é uma surpresa. No começo eu não gostava nada, nada dela. Largar o Tom Cruise foi o começo verdadeiro da carreira dela. Desabrochou uma atriz incrível. A maquiagem do filme também é ótima. Tem um salto de tempo e as personagens envelhecem e rejuvenescem, muito bem feito, não me elmbro de ja ter visto igual. Tem uma coisinha que eu não gosto no filme todo , mas nem sei especificar porque. Nem darei muitos créditos but it is under the red wig.  Mas acho que o que não gosto mesmo é da personagem. Me lembrou gente que eu conheço e me apavora. Bom se rolou uma identificação de algo é porque foi bem feito, enfim.
Vou ter que assistir "Carne  Trêmula" de novo pra saber qual é o meu filme preferido do Almodóvar. Tem verdades na vida que mudam. E eu adoro quando isso acontece. Bom filme proceis! :)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A Trouxa

Conheci um homem ontem à noite, ela disse. Bom, não é assim um homem, desses com h maiúsculo, ele é novinho ainda, mas é um bom projeto. Não, ele não é assim, propriamente bonito no sentido literal da palavra. Mas tem a voz linda, e é alto.

Ele me deu uma cantada perfeita. Sorriu pra mim, veio até mim e se apresentou, eu disse meu nome ele me olhou fundo e eu beijei. Ah, beijei. Tava querendo beijar.
Era quase cinco horas da manhã. Ele parece legal, me perguntou o que eu faço, quis saber de mim. Ah, ele estuda. Mas é um fofo. Me levou em casa depois da balada. Teve ciúme quando viu que eu olhei um rapaz que atravessou a rua. Pediu meu telefone.

Ele ligou. Quer me ver mais tarde. Eu vou. Eu vou sim. Ah, ele beija bem e é fofo. Vamos ver o que acontece.

Amiga, dei. Dei, mas nem foi na primeira noite. Dei sim tava com vontade. Foi mais ou menos, a primeira vez com um cara nunca é bom. O corpo dele é estranho. Os braços, não tem definição muscular nenhuma. Tem uma barriguinha. E num tem peitoral. Ah, mas fofo. Tem a pele macia. Me trouxe pra casa no dia seguinte.

A gente se viu de novo. Dei de novo.

A gente se viu outra vez. Depois de transar ele me pediu em namoro. Achei bizarro. Terceiro encontro e me pediu em namoro. Será que ele é algum maluco carente? Num sei, fico assim achando estranho. Tudo bem que ele num é assim bonito, ta ficando careca, tadinho. Aquele cabelo num chega aos trinta. É estudante. Tá gordinho. Eu num vou falar do tamanho do pau do cara que em pediu em namoro. Eu disse que ainda não. Pra gente continuar ficando. Daqui um tempo a gente conversa.

Um mês e a gente sai direto. Ele tem insistido nessa coisa de namoro. Acho que vou aceitar.

Acho que tenho visto ele olhando muito pros lados. Sei lá. Num presta atenção em mim na pista. Pode ser porque ele é alto. Ele é bem alto. Dança olhando pra cima. Às vezes é como se eu não estivesse ali. Mas cuida de mim. Na hora de andar na balada num me desgruda. Tá sempre de olho. Mas ele olha. Tá sempre olhando pro lado. Ah, homem é tudo igual né?

Fiquei loca ontem. Num lembro de muita coisa. Mas ele ficou assustado. Quer saber se eu tomo algum remédio. Ah, num vo dizer pra que o jeito que ele se comporta me deixa insegura. Nem que eu insegura viro onça. Que ele num se comporta como quem ta amarradão. Se ele num ta amarradão pra que que ele ia ficar querendo me namorar esse tempo todo. A gente brigou. Disse que eu dei mole pros amigos dele. Que eu tentei agarrar um amigo dele. Ué... ele vive dando mole prum monte de gente do meu lado. Faz igual o Flavinho diz que faz na academia. A egípcia. Ta sempre olhando de canto de olho. Acho que isso ta me fazendo mal, amiga. Abre aquela vodka que você tem aí.

Disse na minha cara em tom de brincadeira, mas disse. Você deu na primeira noite. Amiga, não era a primeira noite. Que cara otário. Que saco. Babaca.

Ficou bêbado ontem, de novo. Me fez descer do carro. Do nada me agrediu. Me disse coisas. Disse que ia voltar pra festa e ficar com outras pessoas. Tava chovendo amiga.

Botou a culpa em mim. Disse que sou eu que sou maluca. Que dou em cima dos amigos dele. Inventou histórias. Acho que ele mente. Mente horrores.

Gosto dele. Tenho tantos planos. Quando ele acabar a faculdade as coisas vão ficar melhores. Ele reprovou de novo. Eu sei. Mas só falta uma matéria e o TCC. É o quarto semestre já que só falta isso. Ele tem outros interesses. Ta estudando de novo. Não , num é outra faculdade. Esse curso é técnico. Já vai ter um diploma. São áreas diferentes. Não , ele me disse que num tem risco dele jubilar. Ano que vem ele termina. Se não for pra Nova York. Ele quer fazer um curso lá. Como é que eu vou pra Nova York amiga. Trabalho. Quem banca meu circo sou eu. Tenho ajuda. Mas se eu não fizer por mim. To fu.

Engraçado. Uma amiga no MSN que eu nunca vi falar. Que não sabia que ele namorava. Fiz ele contar.

Tava dormindo no peito dele e ele falando com a tal amiga. Quem é essa sirigaita?

Tadinho. Anda tão estressado com a escola. São dois cursos né? Na faculdade ele tem aula uma vez por semana só. Mas é puxado. Esse fim de semana nem pode me ver. Uns planos dele deram errado. Sabia que ele ta com uma baixa de libido? Coitado. Fico tentando botar ele pra cima. Vou fazer alguma coisa bem gostosa pra ele comer. Vou comprar uns presentinhos.

Anda tão ciumento... Ai... Acho que ele me ama mesmo. Me ligou querendo saber o que eu fiz no final de semana. Teve uma crise. Ele teve uma reunião. Foi ver um trabalho. Lá onde trabalha a sirigaita. Mas ela é só amiga. Acredito nele.
Amiga ta resolvido. Me entrego de vez a esse amor. Me mudo pra cá. Chego amanhã de mala e cuia. Quero só ver a cara dele quando eu chegar. Ele vai ficar tão feliz. Eu to tão feliz. Tão cheia de esperança. Essa fase nova. Ai que alegria!

Ele terminou comigo amiga, no dia seguinte que eu cheguei com a mala. Disse que eu era chata. Que eu tentei demais fazer dar certo. Que me quer bem. Que quer que eu consiga tudo que eu sempre sonhei. Mas que não dá mais. Saí com o Flavinho, pra espairecer. Ele tava na balada. Ele e a sirigaita. Na saída da balada, fui assaltada.Quase mnum consigo um taxi pra voltar pra casa. Puxado à beça.

Liguei pra ele hoje. Pedi pra voltar. Ele disse não de novo. Gente, e a mala aqui na minha frente ainda sem desarrumar. O que eu faço agora? Amiga, você acha que eu não soube ver os sinais? Que eu fui burra?

A amiga que durante mais de um ano gostaria de ter lhe dito umas verdades a respeito desse gajo sentiu o "foi sim" chegar até a garganta, mas engoliu e abraçou amiga diante dela. E pensou que Deus me livre disso. A mim e a todas as pessoas que tem um coração.

Lua e água.

O filme terminou e a madrugada fez silêncio dentro casa. O barulho de um e de outro carro, fora. Os ares condicionados dos vizinhos. O resto quieto. Como quando se acorda e não se pode lembrar. Os flashes inconseqüentes. E com eles um monte de coisas caladas como a casa. A casa dormindo do fundo da alma. Quanta coisa dentro suspensa. Quanta história. Quanta vontade. A memória pregando peças em quem por esse momento não podia lembrar nada que tivesse sido ruim. Respirou o alívio profundo de nenhuma mágoa. De nenhum remorso. A profunda sensação de estar quites. Saudades agulhas que não feriam de tão finas cravadas na carne e suspensas no ar. Como pelos de metal que não doem. Confortável nessa roupa, tão diferente de tudo que já tinha usado deixou desfilar diante de si o que quer que quisesse passar. E sentia o peito grande. Como se nada, mas nada mesmo tivesse algum lastro. Tão calmo estava que pensou que pra todos seria assim naquela noite. Um gosto de cebolitos na boca. Lembrança da infância com suas angústias. Seus segredos de pedra. A abertura da novela. As primeiras consciências. O medo de ir ora escola que não fazia sentido e a certeza que nem mesmo naquele momento fez sentido.Parquinhos, viagens de carro, amigos que foram ficando pra trás porque mudar era constante. Porque partir era normal. Habituado que era. Adolescência tão sem glória, tão sem importância. Tão distante de tudo o que era. O tão importante que fora na época que já não fazia sentido. A lembrança da menina gorda, mais velha que chamava atenção na escola por dizer besteiras atrozes. E a noção de saber agora o porquê de sempre simpatizar com ela. Ela queria era só atenção e era isso o que todos queriam. Ao seu modo. Do seu jeito. Nunca soube direito a impressão que causava nas pessoas até que sentiu a inveja, há pouco tempo atrás de quem lhe disse. Você sabe muito bem como se colocar num ambiente para que todos olhem pra você. Defendeu-se dizendo: Mas é inconsciente. A descoberta da maldade há tão pouco tempo com a resposta que veio seca e ríspida : É mentira. Você faz de propósito. E por que o faria? E todas as outras vezes que dançou com essa vileza saltaram-lhe aos olhos e reconhecendo cada uma delas cumprimentou-as. Vontade de chorar que passou rápido. Sempre achando que todos eram iguais. Que todos estavam do mesmo lado. A consciência do não. O conselho do mestre dizendo. Não pense que todos são como você. É natural julgar? O aprendizado do amor incondicional. Mas se tem condição pode chamar também amor? A certeza que não. Não pode. Se tem condição, meu bem, não é amor que me das. As maldades quando praticadas são conscientes ou inconscientes? Pensou que ela existe nos dois modos e só que a pratica sabe ao certo responder. Mas quando ela vem de quem se ama, nada é mais cruel porque te encontra entregue. Barriga pra cima, um bicho, com todos os órgãos vitais à mostra. Qualquer um que desfira o golpe em alguém nessa posição deveria ter a mão cortada, o pau cortado, o clitóris extirpado. Deveria ter cauterizados em si todos os sentidos. Jamais o gosto de um beijo. Da hortelã. Do café quentinho na caneca de cerâmica. Do choro lavando as feridas. E soube que todo mau teria seus prazeres negados. De alguma maneira atraíram pra si a maldição de serem sabotados aí, e em algum momento o sentiriam ou simplesmente deixariam de sentir. Não sentir é o castigo pior que há. Não sentir é estar morto. Pena de quem não sente. Quantas vezes não esteve aqui. Quantas vezes anestesia. Quantas vezes inconsciência. Quantas vezes gritos. Quantas vezes destempero. Tudo pra proteger o que tinha de mais frágil. De mais delicado. Sempre saindo pela culatra o tiro. Descobriu que atirava com a arma apontada pra si. Sempre sem querer era em si que atirava. Mas então não tinha experimentado ser amado? Não tinha experimentado ser querido? Talvez sim. Mas nunca do jeito que amara e que quisera. Nunca incondicional. Uma vez. Uma vez o foi. Mas era cedo demais. Isso foi muito antes de saber a cara que tinha. O jeito que tinha. Isso foi antes de saber as formas da sua boca e dos seus olhos. Teria pedido tempo? Sentia que não. Que o tempo era seu amigo. Que o tempo guardava surpresas gigantes. Sentiu um cheiro de gelo no ar. Lembrou arrumar as tinas. Coisas novas chegando. Uma noite de cantar e a surpresa de tudo o que ela pode trazer. Sentiu saudades de tudo. Sentiu vontade de tudo. A memória embusteira segurando antes de si tudo o que não somava. Saudade de dormir contigo meu amor. E a certeza de que o amor era dele e ninguém o tinha roubado. E na hora certa crescia rápido pintando de verde o muro seco. Um filme. Um filme que depois dele o trouxe de volta pra si. Como um soco no meio da cara devolvendo a consciência. E a alegria imediata de cada dor e de cada gozo invadiu como a tromba d’água invade a cidade. E dormiu enconchilhado sem pra isso precisar de ninguém por perto.

sábado, 14 de novembro de 2009

Amor no século XXI

Recebi um texto num powerpoint desses que nunca abro, e não sei porque esse eu abri. Quer dizer, sei sim. Ouvi um monte de besteiras sobre as receitas do amor no século XXI, e agora tenho certeza que esse powerpoint é a fonte de pesquisa de frases feitas e absurdas às quais fui exposto.
O texto é atribuído ao Flavio Gikovate, de quem eu me lembro ter ouvido falar em algum momento mas não tenho idéia de quem seja.
O texto diz que nos dias de hoje busca-se uma relação compatível com os tempos modernos. E que essa relação deve estar embasada na individualidade e blábláblá whiskassachet..
O que eu realmente não consigo entender é o que os defensores da individualidade entendem por individualidade. Porque o relacionamento que pra mim apresentaram como um relacionamento moderno, simplesmente é nada.
Eu não tenho como me comprometer a ser fiel, ou melhor, monogâmico, a alguém que não pretende me fazer companhia quando eu simplesmente estiver triste precisando de um colinho. A alguém que a qualquer minuto pode dizer não vou te encontrar esse final de semana porque estou com questões pessoais sérias e não quero te ver. Preciso ficar só.
Oi?
Porque se é pra ser companheiro quando se está de bom humor, ganhando bem, numa casa incrível, podendo fazer todas as baladas não precisamos de amor, ou de sentimento nenhum que não seja o desejo puramente sexual. Porque já que não haverá troca, cumplicidade, caminhar de mãos dadas, construir alguma coisa juntos, vamos só trepar e quando ficar chato, ou mesmo antes disso, a gente põe mais gente no meio e deixa de se ver. Não temos compromisso nenhum. A única coisa que nos liga é o prazer. E prazer é uma fome que nunca sacia.
Individualismo está sempre procurando as auto-coisas sem se ligar ao coletivo ou ao outro como participante da sua felicidade, ou do seu desenvolvimento ou do que quer que seja. O individualismo deixa tudo o que não for o eu descartável.
É mais ou menos o jeito de pensar do psicopata.
O texto diz ainda que relações diferentes dessas relações modernas são baseadas na dependência, na vontade de encontrar outra metade, despersonalização, e por aí vai. Auto lá. Com quem esse cara conversou pra escrever esse texto? Despersonalização? Dependência?
Pra mim isso tudo são desculpas de quem não quer se envolver. Mesmo. E vem com papo de moderno, de arrojado, de dinâmico. De não convencional.
Acredito que no amor vale tudo. Desde que combinado antes. Porque os modernos que eu encontrei queriam toda independência e individualidade, mas na hora de eu ser individualista e independente se tornavam criaturas do século retrasado, fazendo chantagens emocionais e tudo o mais que tanto condenam.
Ele diz ainda que a individualidade não tem nada a ver com egoísmo. Que o egoísta se alimenta do outro financeira ou moralmente. Pera ae, isso não é egoísmo. Isso é dependência.
O texto pega conceitos de pessoas que estão num momento difícil que estão carentes, que estão mal e coloca tudo isso como se fosse isso e só isso o que até então se entende por amor.
Mas auto lá. Esse conceito de se estar sempre feliz, sempre bem, sempre alegre, sempre pra cima é outro fingimento do mundo moderno.
O conceito de que tristeza é defeito, é outra mentira. Sentir faz parte da vida. Tudo sente. Tudo vibra.
Conheço modernos deprimidíssimos que acham que estão ótimos. Conheço modernos solitaríssimos que acham que porque têm 800 pessoas no Orkut e as mesmas 800 no facebook têm muitos amigos. Conheço modernos que passam os domingos sozinhos na frente de um computador. Conheço modernos que não sentem o vento ou o sol no rosto há muito tempo. Que não andam de bicicleta. Que não caminham. Que só comem produtos industrializados. Gente de plástico. Que se julga zen. E que vê defeito em tudo e em todos, mas que não enxergam o próprio umbigo embora esteja constantemente dando voltas às cegas em torno dele... Conheço modernos que não se aprofundam em nada e sua única questão concerne a si mesmo. Ao seu próprio futuro. Gente que não sabe dividir, porque não tem o que dividir. Gente vazia. Ávida por massacrar o outro por ver nele os seus próprios defeitos, e, não enxergar qualidades, porque não tem qualidades para espelharem no outro.
Então é isso. Se não for pra somar e dividir pra que namorar. Se não vou ter alguém pra segurar a minha mão num momento difícil, pra que namorar? Se vou seguir sozinho nessa estrada, pra que compromisso? Pois já disse o poeta se não vai me fazer companhia não me roube o prazer da solidão.
Quer saber, pra mim esse papo de individualidade moderna é balela. No amor a gente soma e divide em partes iguais pros dois. Quem não quer dividir que me deixe em paz. Mas se quiser trepar antes aceito. Pro sexo sou moderno. Pro amor sinto muito orgulho em ter nascido no século passado.
Meu ponto de vista.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fragmento de um diálogo que eu não sei o que é!

A-Oi! Você! Meu Deus! Há quanto tempo?
B-Anos, uns 3 ou 5 anos , não tenho certeza.
A-Você está ótimo. Sempre se cuidando. Você não envelheceu um mês se quer.
B-Envelheci sim. Mas tenho disfarçado. Duas hora por dia numa academia... No mínimo... Eu ficaria feliz de te ver, não fossem as circunstâncias.
A-Você foi lá dentro.
B-Fui.
A-Eu acabei de chegar. Ainda não entrei. Sei lá. Queria me lembrar...
B-Não entre. Melhor se lembrar dele do jeito que ele era. Alegre, animado. Sempre contando uma piada. Fazendo uma graça de duplo sentido com aqueles olhos de criança... Os remédios, me disseram, fizeram ele inchar muito. Você não o reconheceria.
A-E a Sarah? Ela está...
B-Sarinhah teve uma crise nervosa, foi levada pra casa agora mesmo... Tadinha... Teve um ataque de choro, questionou a vida, questionou a Deus. Você pode imaginar a Sarah questionando os desígnios divinos?
A-Duro né? Perder o amor da vida assim de uma forma besta.
B-Ele estava cantando. Torcendo pelo time de futebol. Caiu no chão estatelado. Do nada. Teve uma pequena convulsão...
A-Você estava lá?
B-Estava. Fui eu quem pegou ele no colo e botou no carro. A gente correu pro hospital...
A-Ele era tão forte, tão saudável... tão jovem.
B-Até quando seremos jovens?
A-Ele vai ser jovem pra sempre.
B-Você ainda se considera jovem?
A-Não sei mais. Aqui dentro eu sei que eu sou jovem. Um menino. Mas a casca...
B-A alma!
A-A alma!
B-Você tem visto a Alma?
A-Estive com ela semana passada. Tá ótima. Ela, enfim fez a cirurgia.
B-Não acredito.
A-Encontrei com ela , ela me confidenciou. Não conta pra ninguém. É meio que segredo. Ela quer fazer uma surpresa pra todos no fim do ano.
B-Aiaiai... Acho que não teremos grandes festas este ano. Falta tão pouco e já vai ser réveillon.
A-Será que ela está sabendo?
B-Não sei... Não falei mais com ela desde... Faz uns 3 ou 5 anos.
A-Acho que isso é coisa da idade... Os tempos pequenos ficam confusos. E às vezes parecem insignificantes.
B-Pro nosso amigo não há mais tempo.
A-Ah, dependendo do que você acreditar ele tem agora todo o tempo do mundo.
B-É numa hora assim que eu me pergunto no que é que eu acredito? Um homem bom, forte, saudável, apaixonado, sem vícios, trabalhador, tinha mulher, casa própria, tava ensaiando pra ter um filho... Cai morto assim, sem mais nem menos. O que resta pra gente acreditar? Que tem uma luz no fim do túnel?
A-Bom, se isso é verdade nosso amigo viu a luz e caminhou para ela.
B-Ai que horror! Piada besta!
A-Desculpa , eu não pude evitar.
B-Sei. Às vezes é difícil pra você evitar coisas.
A-Não sei do que você está falando. Eu sou um grande evitador de coisas que não me aprazem.
B-Mas essa piadinha infame te apraz... Você não tem jeito mesmo. Penso que cagar na calçada te apraz então... ahahahahahahahaha... Eu não acreditei naquela noite que você parou o carro, desceu e cagou na calçada. A gente tava onde mesmo. Em São Paulo, na Alameda Franca. Ahahahahahahahaha. Você cagou na calçada.
A-Foi a comida daquele restaurante. Era muito gordurosa.
B-Essa memória é mais fresca. Faz dez anos. Faz dez anos eu tenho certeza. Ai o tempo.
A-O tempo está passando.
B-E nós dois aqui falando dele como se fossemos velhos.
A-Você ainda se considera realmente jovem?
B-Bom... eu posso andar, posso correr, posso beber uma noite inteira. Posso trepar, posso fazer musculação, ainda trabalho, dirijo, enxergo
A-Mais ou menos...
B-Miopia não tem nada a ver com a idade.
A-Você devia operar isso.
B-Você sabe que eu tenho medo. E se essa merda não corrigir a miopia e eu nunca mais puder usar lente de contato. Porque é isso que acontece com quem opera, fica uma cicatriz invisível, mas que te aleija para sempre no seu direito de usar uma lente de contato. E então eu teria que usar óculos para sempre. Para sempre. Em todos os jantares, festas, baladas, réveillons, velórios eu estaria lá com meus óculos me pesando no nariz e contando pra todo mundo que eu não sou perfeito.
A-Engraçado, quando eu era criança eu queria usar óculos.
B-Eu cheguei a fazer uma promessa pra nossa senhora. Ela me atendeu. Mas eu esqueci de pedir pra ela me dar só assim, meio grau, pra eu fazer aquele charminho intelectual no cinema ou no teatro. Que tira os óculos do bolso e põe no rosto para ver o filme e depois do filme limpa caprichosamente as lentes enquanto tece comentários sobre a forte influencia do expressionismo alemão na obra do jovem cineasta Iraniano.
A-Você queria usar óculos pra poder comentar filmes chatos?
B-E envelhecer calmamente acariciando um gato nos fundos do antiquário.

Mordido


Havia dois momentos no dia que lhe eram especialmente insuportáveis.
Um deles, e, o mais temido era a hora de dormir, por isso o adiava profundamente. Tinha-se descoberto um procrastinador do sono. Tinha orgulho disso.
Sua mãe conta até hoje, que quando criança: Ele brincava sem parar e dormia em pé. Ele ia andando assim, pelo corredor e de repente trombava numa parede, e caia, ou então, dormia em cima do velotrol,  passeando pela sala. Era a hora que eu o pegava no colo e o punha na cama. Meu menino. Tão lindo.
 Não tinha memória disso. E se perguntava ainda, já adulto, o que será que o impedia de dormir nos primeiros anos de vida?
 Nos dias de hoje era claro. No silêncio do quarto os olhos fechados, a escuridão. Porque o quarto tinha que estar escuro, porque tinha que haver silêncio, porque o sono era tímido e tudo o  espantava, tudo o punha pra longe. Especialmente os pensamentos.
As preocupações com o futuro, as preocupações com a família, as preocupações com o trabalho, a carreira, as contas, a pia que precisa ser consertada, o veterinário que precisa vir no dia 7, a ligação que precisava fazer e que tinha esquecido, a revisão do carro...
E mais recentemente lembranças que preferia não ter pelo simples fato de que elas não valiam a pena, e doíam, fundo. Porque era tão indomável o rebanho das memórias? Por que elas vinham  sem serem convidadas?
Fuçando por dentro o coração que só queria o direito de bater em paz e se ressentia. Não bastava a nicotina, o tabaco, o monóxido de carbono e mais de 5000 substâncias para as quais não há níveis seguros  de consumo?  Tinha que haver lembranças torturantes e sobre as quais não tinha o menor controle e que somente o faziam querer acender outro cigarro?
Durante a maior parte do dia estava bem, e fazia planos e encontrava grandes soluções. E tinha esperanças, e acreditava nos benefícios da vitamina C, e na bondade de algumas pessoas. E se pensava no que o incomodava pensava pouco, pensava rápido. Mas à noite no silêncio aquilo martelava como o canto de uma araponga na janela  e não o deixava dormir.
Rolava de um lado para o outro, mudava a ordem dos travesseiros, ligava o ar condicionado.
Uma noite tentou ler. Tinha a profunda esperança de que o livro lhe daria sono. Desilusão. Leu um livro inteiro. Mas o livro era ótimo. Menos mal então. Pelo menos não pensou em nada. E de manhã, depois do café adormeceu um sono sem pensar.
 E acordou sobressaltado pelo telefone.
Não, hoje não vou. Tive insônia. Fui dormir agora. Não se incomode. Tudo bem. Voltarei a dormir.
 E não voltou. E o relógio do celular lhe disse que ele dormira uma hora. Talvez um pouco menos.
 E era esse o outro grande momento do dia que lhe fazia mal. Porque ao acordar, o primeiro pensamento que lhe vinha, antes mesmo que abrisse os olhos era ela.
 A diaba loira. Apelido colocado por um amigo na cachorra sem coração que tinha destruído o que restava de ilusão a dentadas. A macaca branquelona que quebrara  toda a loja de cristais deixando pra ele a conta imensa por pagar.
Mais a  vergonha de ter dito àquela puta que a amava tantas vezes. A raiva de se deixar levar por um romance natimorto. Porque na primeira conversa filosófica que tiveram já sabia que aquela merda nunca daria certo.
Pra o que é que serve a maturidade? Pra nos dizer que isso ou aquilo não vai ou vai funcionar. Para que tentamos ludibriar a maturidade? Porque querer enganá-la? Dar-lhe desculpas?Tentar provar que está errada?
 Ela nunca se engana. Ela sempre vence com aquela cara de palestrante te dizendo: Conforme queríamos ter demonstrado, o produto final é exatamente o esperado. Você não quis acreditar em mim e foi se meter com uma vadia. Tem um tipo de mulher que ta aí só pra você comer e ir embora.
Prometeu mais uma vez, pra si mesmo aprender, de uma vez por todas, a ouvir a voz da experiência. Porque ela era que um dia tomaria o lugar da sua mãe para lhe dizer: Leva um casaco, vai esfriar.
Fora esses dois momentos no dia era feliz.  E seu único sonho agora era esquecer e estar  livre pra errar de novo.
E quer saber? Dificilmente erraria. Um dia chega.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009



Quando a gente vê um livro e pensa eu devia ler isso... a gente deve ler, na hora. Fica a dica.

 Eu acabei de ler , antes do café da manhã o livro Mentes Perigosas da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. Minha primeira noite de insônia produtiva na vida. So fucking proud of me!

Um amigo, no ano passado, antes da novela da Glória Perez, ja tinha me falado dele. Mas atolado de coisas acabei lendo só agora.
Gente... Tem que ler. E não é pra sair por aí diagnosticando qualquer desafeto ou sujeito desonesto como psicopata.
Mas dá pra identificá-los e  se você ja tiver convivido com um suspeito você vai sentir um frio na barriga.
E eles estão perto, mais perto, bem mais perto... Medo!
3 a cada 100 homens e 1 a cada 100 mulheres em amostra comunitária ou seja , no meio de nós tem o defeitinho.
Pegue uma balada com 300 pessoas. Na boite vai ter pelo menos 3 psycho.
Admito que num determinado momento da leitura quase troquei meu número de telefone e e-mail. Medo!
Calma! Nem todo psicopata é serial killer. A minoria é.
Tem os mais mansos que vão transformar a sua auto-estima em patê, roubar as empresas da família, a sua poupança, o seu salário .Fazer você se questionar por que, por que, com a mão na testa. Fazer você se sentir culpado pela sacanagem da qual você foi vítima.
Eles fazem isso. Você se sente culpado pelos atos escrotos deles. E eles não sentem absolutamente NADA. Então não adianta gritar, espernear querer faze-los entender.
Há um desacerto cerebral e simplesmente they don't care. Na verdade eles fazem por prazer.
O livreo é ótimo pra gente aprender a identificar os tipos e seguir o conselho da autora: Evitá-los.

A comparação que ela faz dos psicopatas com vampiros é muito boa.
A descrição que ela dá da nossa sociedade como um lugar aprazível para eles colocarem seus instintos pra fora também.
Dá vontade de chorar em algumas partes. Ah, foda-se. Ando muito sensível. Acho que é a chuva.O apagão...

Algumas das características des amies psicopatas:
Superficialidade e eloquencia
Egocentrismo e megalomania
Ausência de sentimento de culpa
Ausência de empatia
Mentiras, trapaças e manipulação
Pobreza de emoções

Pessoas que fazem pequenas maldades ou são muito truqueiras e estão sempre tentando obter a sua piedade são forte candidatos ao título. So... run Forrest, run!

Ah... E não tem tratamento. Nem pense em cura. 


Então amados , aquela pessoa super individualista, relativista, instrumentalista que se acha moderna e antenada e que se diz  assim por ser da geração Y. Take care honey, he/she is probably a psycho...
Leia e armem-se. Vamos isolá-los porque são natural born voodoos. 
Beijo e sucesso!

 

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Beber a Vida 2



 Quem compra o casal acima? Ela não precisa do dinheiro dele! É... Acho que Freud explica!

Eita! Que chatice essa novela.
Mais uma historinha do Leblon, que eu acho um dos bairros mais sem sal e sem açúcar da cidade maravilhosa, e as pessoas mais sem sal e sem açúcar e que já vi numa novela.
Uma Helena jovem com uma alma de senhora quarentona. Um galã coroa, com uma alma de playboy. Uma menina chatérrima que fica tetraplégica (que desafio para atriz né? Passar meses gravando , com o movimento só dos olhos). E por aí vai...
Me pergunto se ela, a acidentada,  vai engordar, ficar com a pele horrível? Não né? Manoel Carlos a deixará linda e loura, maquiada, com os cabelos escovados, porque afinal de contas ela é riquíssima.
Todo mundo é riquíssimo.
E quem não é riquíssimo é felicíssimo  e adora os patrões.
E aquela profusão de gente. Nas novelas dele tem tanta gente que nem dá pra decorar os nomes. Um monte de ator bom fazendo figuração.
E Lília Cabral, gênia, tentando tirar leite de pedra. Na outra do Maneco ela fez uma malvada maravilhosa. Tomara que ela se revolte com a desgraça da filha e resolva destruir a Helena que é pra ver se dá um gosto de alguma coisa nessa sopinha de batata que é essa historinha.
Não acompanho. Acho chato. Mas de vez em quando olho pra ver se aconteceu alguma coisa.
Por enquanto nada acontece.
E tem essa coisa agora, né? A novela começa com vc ja sabendo pela imprensa tudo o que vai acontecer até pelo menos a metade dela.
Bom, será nobre o tema da inclusão social dos portadores de necessidades especiais, da acessibilidade.
Mas novela além de nobre tem que ser divertida. Animadora. Afinal ela tá aí pra dar uma graça na vida de quem não tem vida. Na vida de quem não pode tomar um sorvete no Leblon, nem pegar um helicóptero para Angra, ou Búzios
Não sei, mas acho todos os casais até agora bastante improváveis, bastante desinteressantes.
Maneco já criou personagens mais legais. Branca Letícia, Laura...
Nessa novela por enquanto nada.
Aquela menina que irrita a irmã adotada. Carisma zero. Ela é antipática, rebelde sem causa e só. Acho que a atriz que não tá ajudando. Ops, falei.
É... tá difícil.
Por enquanto ningém por quem torcer. Ninguém por quem assistir.
E o núcleo de Búzios? Se sumir a gente nem dá falta. O drama da menina que tem um filho com o traficante... Tá, e dái? Agora ela fica encolhida em casa com uma cada de coitada se esgueirando pelos cantos das cenas.
Enfim, gente demais, gente desinteressante demais.
Falta alguma coisa.
Falta vida.
Odeio gente pasteurizada na vida real. Quanto mais em novela.
Vamos ver se melhora.
Acho que eu to mais pra: Não vamos ver se melhora.

Quando eu era moleque , uma vez, na praia, uma onda gigante me engoliu. Do nada. Estava eu na beiradinha de costas quando vi a cara de espanto da menina que tava na minha frente, voltando rápido de ré, Foi o tempo de eu me voltar pro mas e dar de cara com uma grande parede de agua, azul-esverdeada, linda. Aproximadamente, do dobro do meu tamanho. Então ela quebrou por cima da minha cabeça, e nossa, eu fiquei dentro do tubo. Incrível, era lindo demias. Uma cor que eu nunca vi igual. Durou menos que um segundo eu acho. Menos que um segundo que eu nunca mais vou esquecer. E daí, amiguinhos, um tapa na orelha, um grande barulho e eu não sabia mais nada. Sem noção nenhuma de direção, sem ar, sem enxergar, minha única reação foi relaxar  e esperar passar. Em algum momento eu ia parar de rolar e ia descobrir pra onde eu tinha sido arrastado. Só queria conseguir não me afogar e nem engolir aquela agua imunda. Inevitável. Depois daquilo que pareceu durar uma eternidade a onda recuou. Eu estava todo errado, com o ombro direito e a cara enfiados na areia, a bunda pra cima, na posição em que Napoleão perdeu a guerra, todo ralado, braços e joelhos. A garotinha que tinha recuado apavorada de ré olhava pra mim e ria da minha desgraça. Vergonha. Levantei e saí correndo pra casa. Eu era criança.
Às vezes a vida toma uns rumos que nem dá pra acreditar. Tudo vai muito bem obrigado e de repente uma onda varre a coisa toda. E aí, depois da vaca, do caixote, é você tentando se encontrar. Onde fui parar, onde é em cima , onde é embaixo, o que sobrou inteiro?
A diferença de antes pro hoje é que, agora, eu volto pro mar. Depressa.

sábado, 7 de novembro de 2009

Catarina

Sentou-se na cadeira e olhou a bancada. A maquiagem milimetricamente disposta. Cada coisa no se lugar. Poderia pegar cada um dos itens sem mesmo ter que olhar para eles. Olhou-se no espelho, puxou os cabelos para traz, pode ver a leve descamação causada pelo último peeling. A pele viçosa, brilhante, as rugas abaixo dos olhos, levemente inchados. Acendeu um cigarro. Puxou um trago, pousou o cigarro no cinzeiro improvisado. Afastou novamente os cabelos. Precisava retocar a raiz. Os anos e suas conseqüências, os cabelos brancos. Inadvertidamente eles branqueavam, cada vez mais, cada vez mais rápido. As bolsas embaixo dos olhos, as pequenas rugas nas quais o peeling não dava jeito. Pegou os óculos, colocou-os. Olhou a bancada novamente. Tirou os óculos, passou o lenço umedecido. Limpar a pele, cuidar da pele, há 27 anos o cuidado com a pele. Mas ninguém lhe dava a idade que tinha. 52 anos. Há 27 anos não pegava sol. Há 27 anos não sentia mais o sol queimando-lhe o rosto numa tarde de verão na praia. Há 27 anos não aproveitava um dia de verão na praia. Mas ninguém lhe dava a idade que tinha. E fumava e bebia, mas não pegava sol, e gostava tanto do sol. A memória de uma tarde na praia há 25 anos. Quando conheceu aqueles olhos verdes. Pedaços de luar... Cantarolou a música. Pensou, por que nunca aprendera espanhol? E os olhos verdes e os dentes brancos. O torso de uma escultura renascentista. A pele branca castigada pelo sol. O charme de homem jovem. Fumando como um astro de cinema. A ebulição dos hormônios. O desejo. Não sabia há quantos anos não sentia aquilo. Há uns 24 anos, a idade do seu filho mais novo. Aborreceu-se por um momento, será que todas as minhas memórias têm mais do que vinte anos? O nome... o nome dele não lembrava. Molhou a esponja do pancake na água, passou no pote de pancake, começou a aplicar no rosto, E cobre-se a pele linda. Uma grossa camada. Massa para tampar os buracos, as marcas, mas não havia marcas. Os peelings, há 18 anos fazia  peelings, uma memória mais recente, sentiu-se mais jovens, há 18 anos fazia peelings e ninguém lhe dava a idade que tinha. Adorava dizer a todos a idade. Adorava a cara de espanto das pessoas, o rosto sem marcas, sem plásticas, somente as bolsas sob os olhos, levemente enrugadas, talvez se dormisse mais cedo, talvez se evitasse o vinho, talvez se abandonasse o cigarro. Mas o sol, o grande inimigo esse não pegava e ela gostava tanto do sol. Prazer que era estar deitada sob o sol, lhe sentido queimar o rosto.As marcas todas por dentro. As marcas todas invisíveis. Sentiu saudades. Os olhos verdes de 19 anos, o peito definido de 19 anos, a pele curtida pelo sol aos 19 anos. Por que se lembrava dele naquela tarde, por quê? Há tantos anos não se lembrava dele. Fora o primeiro, fora o segundo, fora o terceiro, fora tantos que nem tinha uma conta exata e foi só um verão. Amor de praia não sobe a serra.  Mas ela morava na praia. Ela ficou. Ele subiu a serra. Nunca mais teve notícias, nunca mais ouviu falar. Mas hoje, particularmente, hoje se lembrava dele. Pancake aplicado, rosto branco, um fantasma, uma rainha, alva, nobre. Traço do olho, hora dos lápis. Preto, branco, marrom, vermelho, um arco íris triste e dramático, sorriu de leve, achou graça do que pensou. O cigarro acabava. Acendeu outro, e fumou um, dois tragos. Lápis marrom, a sombracelha, lápis preto, branco e vermelho os olhos. Muito lápis, na cena de choro virara uma panda, a platéia delirava, a platéia ama as atrizes que choram. O efeito do lápis derretendo com as lágrimas excitava a platéia, e nem era difícil chorar. Truque para abrir os olhos, truque para dar-lhes expressividade, a alma seca. O ex-marido. Maldito. Os olhos verdes de novo, os filhos, os olhos verdes. Queria ter tido filhos com olhos verdes, filhos de olhos verdes. Blush, sombras. Trabalhar o rosto com luz e sombra. Sabia se maquiar. Orgulhava-se disso. Tinha feito um curso. Tinha feito muitos cursos. Vários cursos. Cursos demais. Os olhos verdes. Lembrou-lhe a voz. Pode lembrar a voz dele. Pode lembra-se do que ele lhe disse estendendo-lhe a mão diante do barco, ele dentro ela fora, a tarde, o sol no rosto, a mão estendida. Não tem medo, vem. Ele lhe disse e ela foi. E sentiu corajosa, e se sentiu moderna, e desafiadora. Minha vingança contra papai. Tão velho agora.  Olhos verdes. Lembrou-lho o cheiro, o gosto. Por que você nesse fim de tarde? Há tanto tempo. Maquiagem pronta, fazer o coque. A atriz mais nova chegou. Como chega tarde, como chega atrasada. Um dia o espetáculo atrasa por causa dessa menina. Ignorou que a menina já passara dos 30. E o barulho que ela trazia, e a necessidade da camareira, que era mais jovem do que a menina, que era inexperiente, que era atrapalhada, que era tão ou mais barulhenta do que a menina, a atriz mais nova. Estavam prontos cabelos e maquiagem. Estava pronta. Foi fumar um cigarro na coxia. A casa estaria cheia. A casa sempre estava cheia. Tinha consciência de que não era por ela. De que seria pelo jovem. Mas tanto faz. Aquecer a voz, aquecer o corpo. O aviso de que a casa estava cheia. As pessoas não artistas andando pra lá e pra cá com suas caras preocupadas, de que tudo tem que dar certo. Olhos verdes, no meio do palco, no meio do aquecimento. Olhos verdes, sua voz, seu cheiro, seu gosto, a dor da primeira vez. Queimando, rasgando, abrindo o caminho por onde viriam os filhos. Olhos verdes dizendo eu não quero te machucar. Olhos verdes tão doces. O marido tão bruto. Nunca mais, nunca mais prazer igual ao de olhos verdes, as tardes no barco. A sensação de que nunca mais poderia sentar-se com as pernas cruzadas.  Às vezes depois com olhos verdes, o barco, champagne, caviar na torrada da padaria que ela comprara no caminho. O sorriso, dentes brancos, o cheiro, 19 anos. Há 23 anos não tomava sol. O assistente passa, vamos abrir, por favor, vamos liberar o palco. Mais 15 minutos, a atriz mais nova não estava pronta. Sorriu irônica. O vestido apertou na cintura, no peito, a raiva cresceu na garganta. Estava engordando, malditos jantares, maldita ansiedade. Há 17 anos não tinha a mesma cintura.  Maldito ex-marido, maldito o dia em que olhos verdes foi embora. Respirou fundo. Havia hora certa para borrarem-se os olhos. Palco livre, platéia que entra. Sinal um, mais um cigarro, sinal dois o coração disparado, sinal três entra em cena. Soberba, absoluta, sente-se linda e despeja toda a raiva que sentia do mundo numa torrente escrita há séculos, mas feita sob medida pra sua boca gritar. E grita, e gesticula, e se pavoneia e seduz, e suspende as saias, e mostra as pernas, vaidosa de suas pernas, e chora, e borra o lápis, e se recupera e enxuga as lágrimas, mas de repente se perde, se atrapalha, e seca a torrente, e some o chão. E olha pra coxia e vê, na sombra, olhos verdes, e vê, na luz, a sua mão, e ouve a sua voz dizendo vem. E a dor, e queimando, e dessa vez não no centro do seu corpo, mas no meio do seu peito, irradiando pelo braço esquerdo, pela mandíbula. Olhos verdes lhe chamando, luz que cai lenta. E o resto... Sem ela.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Strindbergaman - Estréia amanhã em São Paulo

http://www.canallondres.tv/videos_de_roteiros_turisticos__strindbergman_em_paris.html


Estréia em São Paulo dia 07 de novembro às 21:00 no Teatro VIGA

Rio de Janeiro de 06 a 28 de janeiro no Sérgio Porto

Janaína Suaudeau é brasileira e filha do Chef Laurent.

O mundo é dos covardes? I guess not!

Esqueça o que te ensinaram sobre honradez e hombridade. Um banco demitiu seu caixa porque ele prendeu um ladrão que estava tentando assaltar o banco.
Houve um tempo em que essa ação seria condecorada. Quem sabe umas férias prêmio, quem sabe um dinheirinho a mais, quem sabe um presentinho... Mas hoje em dia é demissão por violar a regra da empresa que prevê que não se deve reagir a assaltos.
Um homem é um animal. Tem seus instintos. Sim meus caros, falamos diferntes idiomas, discutimos sobre artes e ciências, mas somo primatas. Grandes macacos pelados metidos em uma  sociedade menos organizada do que a das formigas. Se bem que tenhamos uma falsa idéia de mobilidade social vez, ou outra ilustradas por casos isolados. Normalmente de alguém que morreu de trabalhar, chegou bem à velhice e deixou o patrimônio para os filinhos dilapidarem e chegarem à velhice duros como cocos , maldizendo a vida e a sorte.
Digressões à parte , voltamos ao caso em questão.Numa situação como essa, o caixa Jim Nicholson, admite que se deixou levar pelos seus instintos,e,  ao perceber que o ladrãozinho não estava armado correu atrás do maluco e o prendeu. E foi demitido.
Agora me diga você, meu caro amigo homem, que está lá trabalhando chega um filho da mãe magrelo, desrmado, com um saco preto tentando te roubar sem uma porra de uma arma se você não vai botar pra fora o seu instinto e mostrar pra esse cretino que o seu nome não é bagunça. Que no seu terreiro ele não se cria.
Você minha amiga, me diga que você não sentiria uma, ainda que leve, ebulião hormonal diante de tal ato de coragem e bravura.
Podem negar, no fundo a gente sabe a verdade meus gorilas amados. Ah, que fique claro, eu escrevo pra gente de verdade. Não arremedos estúpidos.
Realmente eu não entendo o que está acontecendo com o mundo, com as pessoas, com as instituições. As coisas começam a deixar de fazer sentido.
Tenho uma amiga que diz que o mundo acabou no ano 2000 e vivemos agora uma projeção ilusória das consciências que aqui estavam quando tudo virou patê.
Pra mim isso é consequência de falta de raciocínio. O que eu mais vejo por aí é gente que não pensa. Que nem imagina que é juntar azul com amarelo  que dá o verde. Gente torpe , idiota e sem graça. Vão achando que o mundo é de vocês. Surprise, it's not!
E meu caro Jim, espero realmente que você encontre um emprego bem melhor, ou abra uma empresa de seguranç,a sei lá, mas você me pareceu um cara de atitude, e caixa de banco , realmente não me parece um trabalho que requeira atitude.( Nada contra os caixas de banco por favor. Meu pai é bancário.) E que você pegue um monte de gente aí na sua cidade, pra alguma coisa meu caro, esse ato há de servir. Porque  a empresa pra qual você trabalhava é uma bosta, mas o universo é bem maior!

http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/0,,MUL1253175-6091,00-CAIXA+DE+BANCO+E+DEMITIDO+PORQUE+PERSEGUIU+E+CAPTUROU+LADRAO.html

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A filha do prefeito

Despejou lentamente o vidro de perfume na pia do banheiro. Era um vidro grande. O frasco se esvaziava lentamente e o cheiro invadia tudo como o cheiro das flores num funeral grandioso. Pensou que o quarto ficaria também tomado por esse cheiro, talvez a casa. Talvez a vida. Tinha a impressão agora de que o cheiro jamais sairia dele. E que cada vez que alguém elogiasse esse perfume se lembraria da voz do homem dizendo : é o meu cheiro preferido, quero sentir em você cada vez que eu chegar. Perdeu-se na memória dessa voz que puxou olhos, que trouxeram boca, que encheram de lágrimas quentes e preguiçosas o seu rosto. O vidro estava vazio. Assim também ficaria o coração logo, logo. Suas narinas ardiam pelo cheiro forte do perfume, pelo choro, sentia o gosto do perfume misturado com as lágrimas e tudo era amargo. Esse cheiro lhe estava pegado à alma. Esse gosto lhe estava pregado à língua. Arremessou o frasco no lixo do banheiro e se virou para o quarto. Um quarto burguês de módulos escuros e cama sempre arrumada mesmo que pra isso se dormisse em cima da colcha, como quem cochila depois do almoço. De fora olhando-o poderíamos afirmar que era ele um quase,era ele um babaca, era ele somente novo demais e desorientado pela pouca experiência. Pela pouca referência naquilo que tange gostos.
O apartamento era quase. O prédio era quase bonito. A decoração quase fazia sentido. Embora parecesse mais antiga que o dono ou talvez demonstrasse um esforço para remeter ao que é pratico, moderno e cool. Esforço extremado e que se traduzia em ostentação, falta de estilo e frieza. A sala obvia com cortinas que só ficariam bem no corredor de um prédio de consultórios, a cozinha americana as escadas brancas de metal e no segundo andar o quarto, a cama e o banheiro, tudo comum e contrastando com o requinte desqualificado do piso inferior.
O cheiro do perfume realmente estava muito forte e começou a se sentir nauseado. Pensou em desmaiar. Queria desmaiar. Seria encontrado pela mãe no final da tarde, quando ela chegasse do trabalho. Ela se desesperaria. Gritaria por socorro. Ele acordaria reconfortado pela pena que ela teria dele. E tudo o que ele queria agora é que sentissem pena dele. Ele sentia pena dele. Queria pena por ter se entregado àquele homem. Pena por ter querido aquele amor que tinha dado errado. Mas digno de pena porque na verdade sabia que nunca quis nada a não ser o enfeite que o homem trazia pra sua vida. A validação do seu ideal de status , pois apesar de considerar-se rico não houve um dia sequer em que aquele homem não o fizesse se sentir como o garoto da periferia que no fundo da alma ele sabia que era e que jamais deixaria de ser. Não importa a quantidade de verniz dos diplomas, das viagens, da cultura ensaiada que ele adquirisse. Sentia-se pequeno, incapaz, fraco e desprezível e por isso queria do outro qualquer coisa de nobreza que sabia jamais haveria em si. Pensou em abrir a janela. Mas a luz que entraria não condizia com o seu estado melancólico e ele lera em livros, que deixava pela metade que a tristeza requer a sombra. Olhou seus livros e mais uma vez lembrou. Livros que o homem dizia: você não vai lê-los, e ao dizer isso o irritava profundamente. Não porque ele os leria, mas porque esse segredo era só seu, e quem este homem pensava que era para dizer-lhe a verdade. Sentou-se na cama de maneira ensaiada. Sentiu-se cansado, mas manteve a pose que lhe concedia, quase como uma indulgência, um certo ar de Cleópatra. Dessa vez estava realmente triste. Dessa vez realmente sentia uma perda, um vazio, e não sabia o porquê, e não sabia como se comportar. Tentara parecer civilizado. Tentara falar com o homem, mas a presença dele o incomodava porque o homem sabia que ele era uma fraude. Melhor não falar com ele jamais. Melhor provocar uma briga derradeira. Sabia que o homem seria seco e isso lhe daria margem para cavar essa briga. Para cortar relações. E livrar-se de uma vez por todas desse incômodo. Desse inimigo. Que se tornara inimigo apenas por ter adquirido dele intimidade. Apenas por ter-lhe olhado nos olhos e visto o que ele era realmente.
Arquitetou o plano. Ensaiou a briga. Intuiu que o homem saberia que tudo fora ensaiado e por isso não lhe daria margem de revidar. A coisa se daria na internet. Depois, sem tempo de resposta apagaria contatos. O excluiria de tudo. Estaria livre.
Pela primeira vez em muitos meses pode descansar um pouco. Se livraria de vez daquele que sabia que ele era um sapo que uma bruxa má tinha transformado em príncipe. Seguir sua natureza de sapo seria mais confortável e digno. Mas como se livrar de tudo aquilo que inventara na sua desnatureza de príncipe, sua casa, seus hábitos, sua vida inteira. Optava mais uma vez pelo feitiço da bruxa, pelo fato de que alguns não trazem em seus corações essas forças voltadas pra luz. Manteria as janelas fechadas enquanto houvesse sol lá fora mesmo que aquele perfume francês despejado na pia o fizesse vomitar mil vezes.
O ar abatido, a palidez causada pelos vômitos impressionaria na faculdade, à noite. Sua imagem de sensível e nobre estaria intacta. Por fim sorriu e decidiu guardar o par de tênis que o homem lhe dera porque pareciam realmente caros e tinham sido elogiados em mais de uma ocasião. Na sua incoerência abissal não sabia que o perfume custara o dobro do preço. Não sabia o valor real de um perfume, não imaginava que uma sutileza pudesse ser tão cara. Se soubesse ficaria realmente arrependido de ter deixado escorrer pelo ralo a mais rara das riquezas que sobre o seu corpo já pousou.

Ela é linda e dorme nua


Ela é linda. Gloriosa. Mulher incrível. Olhos de louca. Linda. Inexplicavelmente linda. Cantei, sim cantei. Por que eu não cantaria? E eu a estava vendo, era meu dever  falar com ela , era meu dever ficar com ela, era meu dever pegá-la pra mim, Olhos nela, perseguição, mão na cintura. Meu braço quente, meu corpo quente contra o dela  E ela faz charme, e ela se nega e ela se entrega quando aperto mais forte o meu braço contra as suas costas. Uma mulher que de longe parecia tão grande, tão magnífica, ali no meu braço pesando leve. Um beija flor. Vem flor, me beija. E beija. E me da o telefone, e me liga no dia seguinte e me quer.
Ela dorme nua no quarto grande da Lagoa. Despudorada diante da janela, ela fuma nua, sentada no parapeito. Ela veste, safada, uma calcinha rosa, pequena frouxinha, dessas boas pra ficar em casa. Ela faz charme e seduz, e seduz, e seduz. Como é boba, tanto esforço e eu já te quero. Desde a hora que eu te vi que eu te quero. Que eu te quero meu brinquedo. Que eu te quero minha musa. Que eu te quero. Te quero e é só o que eu sei. E ela fala sobre livros sobre filmes, sobre tendências da moda, e a pele e as regras de um relacionamento, e as festas e o dia de amanhã, e o cachorro, e a família, e do gosto por carne moída, e o sexo e o sexo e o sexo. E o coração dela trancado. E o coração dela na dela, e o coração dela do mundo. E tomamos cervejas, e fumamos cigarros, e trepamos, e gozamos, e demos risadas e nos arrumamos e fomos rei e rainha de um pequeno lugar . Andávamos na carruagem vermelha. Subíamos montanhas pra dançar perto do céu, descíamos todos os montes pra bebermos perto do inferno.  E então enlouquecemos. Nossos mantos trapos, nossas caras arranhadas, nossos dedos cansados de segurar. E então eu a pedi que fosse embora, que me deixasse, sumisse, que levasse a pílula do dia seguinte, que tomasse e que não nos víssemos por muito tempo. Ela foi. Eu chorei e chorei. Que eu sou um menino mimado. Que eu choro quando não ganho o que eu quero. Mesmo que eu não saiba pra que  eu quero. Gente não é artigo de prateleira. Sem função vira elefante branco. E lá foi ela. Encastelar-se de frente para o mar. E fiquei eu com a vista dos fundos do teatro. Vida que segue de cá, vida que segue de lá. E ela continua pagando o melhor boquete da zona sul do Rio de Janeiro.

This is not a love song!


Diálogo um
Y -  Terei que fazer uma palestra sobre Rodin. Falarei da construção dos corpos. Falarei do uso do movimento na escultura. Falarei do processo criativo e no final uma dinâmica em que para entendermos o poder do corpo humano na criação da arte estaremos todos nus. Porque não faz sentido falar do corpo humano, da preciosidade das suas formas, da grandeza desse veículo sem exemplificá-lo. O nu trará essa realidade. E dentro da dinâmica que eu vou propor, que eu ainda não pensei qual é, haverá o uso dos elementos. Eu quero água, eu quero velas, eu quero barro. Preciso de velas e bacias. Vou por na lista de coisas para fazer.
X - Uma dinâmica com todo mundo nu pra explicar a obra de Rodin.
Y - Você e os seus preconceitos. Você não entende a arte. Você não sabe de nada. Você vê maldade em tudo.
X – Eu só to perguntando se é isso mesmo. Problema nenhum ficar pelado. Mas qual a utilidade dessa dinâmica...
Y – ...
X – E o povo tira a roupa amarradão assim...  Pra fazer a dinâmica?
Y – Claro pois são todos artistas e não estão preocupados com sentimentos burgueses. A Arte transcende.
Diálogo dois
X - Amor, no final da peça a gente sai do teatro tirando a roupa, se libertando de todo aquele universo que a gente representou, vamos para a praia e tomamos um banho de mar coletivo. Vamos deixando a roupa pelo caminho. O diretor está resolvendo se estaremos nus ou não. Ele tem medo que se todo o elenco estiver pelado o povo na rua ache que é uma peça do Zé Celso.
Y - Ué? Mas onde está a justificativa para vocês ficarem nus? Isso é um absurdo! Que coisa ridícula e injustificada!
Fuck off you bastard!