sábado, 18 de setembro de 2010

contra luz, contra a parede...

Daí um rapaz, desses como há vários, vai pra varanda fumar um cigarro, se admira com o por do sol... Oh!... E com a luz contra o muro. Vê uma lagartixa comum, dessas como há muitas nos muros. Ao cruzarem o olhar a lagartixa se esconde e o rapaz se aproxima, acessando no seu cérebro anos de Discovery Channel com maconha. Começa a pensar na estratégia da lagartixa para fugir de seus predadores. A lagartixa mantém a cauda a mostra, pois, se o predador pegar a cauda ela pode fugir. Então, olha de novo para o por do sol, traga o seu cigarro e, se volta mais uma vez pro indefeso animal acuado atrás da luminária. O pequeno réptil, inadvertidamente, faz um movimento gracioso com a cauda e a traz para outro ponto, revelando-lhe os olhos. Ao se deparar mais uma vez com as duas bolinhas pretas reluzentes o rapaz tenta se lembrar que estratégia seria essa que o Discovery não mostrou. De súbito a lagartixa come-lhe a cabeça... É... É assim... A vida é absurda deste tanto!

Segunda-Feira

O coração batendo dentro da cabeça. Um cigarro acendido no outro. O ônibus que não passa e a única certeza. Pensamentos confusos. Maconha, cerveja e cigarros. Discurso ensaiado no percurso. Fantasias de finais felizes onde os dois não acabam juntos. Portaria, campainha, entrada seca. E pela primeira vez desde que se conheceram não houve o beijo na boca de oi. Foi logo pra cozinha guardando cervejas na geladeira. Era preciso falar. A verdade é que, do nada, aquilo deixou de acontecer. Fim de carnaval. Confetes e serpentinas e purpurinas transformados em lama. Cheirando a mijo. O outro, o outro, o outro. Acusado de não se colocar no lugar do outro. A consciência tranqüila. O caso é que não vingaria. Não tinha a fibra. Covarde seria ficar. Ataques suportáveis, ofensas aceitas. Tudo por não discutir, pra preservar o que restou de: Feche os olhos, ouça a música, relaxe, me deixa fazer amor com você... Ah! As questões todas mais altas que esse convite. No último instante o choro sentado no sofá. Está morto. O ar na rua. Os amigos no boteco. A cara ainda inchada. A balada. O sol nascendo. Mudou a luz. Mudou tudo.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Breve

Meu coração acordou hoje bem cedo, me olhou com seus olinhos curiosos, tinha um ar sério, me disse que partiria num vôo das quatro. Meu coração partiu antes das quatro. Foi pra uma ilha. Deserto no meu coração.

Outono passado

Eu não sei quem é você , mas te admiro desde o fundo dos meus olhos onde vive o meu pensamento. Por nada . Porque nem sei o que você faz, como são seus dias, o que você pensa. Nada. Porque nunca conversamos nunca dissemos palavra significante para o outro, nunca nada, só corpos, corpos e corpos e nada, além disso. E é só o que eu quero, é só o que em busco em você, nada alem disso, seu corpo, meu corpo, e saliva e sussurros e gemidos. Não quero suas histórias, seus sonhos, não quero seu nome de família e acho que nem seu telefone. O que eu aprendi de você já serve pro nosso propósito. Vamos nos encontrar de novo é fato. Nos veremos em alguma festa, temos amigos em comum. A cidade nem é tão grande, pelo menos não é grande a parte dela que usamos. Sei que nos veremos numa praia, num bar, num aniversário. Sei que vou olhar pra você, sei que você virá falar comigo. Sei que não teremos assunto. Sei que meu coração vai bater forte, sei que vou virar suco na sua frente. Sei que vou aceitar sua proposta. Sei disso porque é isso o que eu quero. É disso que eu to precisando bem agora. Sei que vamos dançar. Sei que vamos pra sua casa. Sei que vamos dormir afastados. Sei que pela manhã a vida segue cada um pro seu lado. É só me chamar. Nem precisa ser pelo nome, basta que seja pra mim. E quando for eu sei o que será. Seremos um do outro pela noite. Um do outro até o banho. Um do outro. E depois espero uma próxima vez. E vou seguindo assim. Aguardando seu chamado. Canta pra mim. Eu gosto assim. Não me decepcione.

O Vermelho e o Azul

Pois então foi assim, desse jeito que aconteceu entre os dois. Vamos chamá-los de Azul e Vermelho para evitar comentários desnecessários.
Veja bem, Azul tinha tido uma semana daquelas. Uma feira de estamparias, se é que existe alguma coisa assim. Foi difícil. Mas enfim ele iria à tal balada aclamada por todos como a melhor balada dos últimos tempos. Mas alguma coisa aconteceu e ninguém foi à balada. Ele e dois amigos que encontrariam mais dois amigos. Os outro trezes amigos desaparecidos na noite de inverno.Balada vazia, um ar condicionado gelado e por favor depeçam quem produziu esse elenco. Além disso a amiga com TPM, uma situação bizarra com uma figura lendária e tudo isso devidamente mergulhado em gim-tônicas.
Vermelho acordou algumas horas antes em seu apartamento. Tentou falar com praticamente toda a sua agenda , ninguém pareciadisponível. Decidiu encarar o projeto. Por que diabos ficar sozinho em casa? Melhor ir sozinho pra balada. Escolheu uma roupa bonita. Escolheu o relógio certo. E partiu pra balada mais incrível dos últimos tempos. Deu de cara com a mesma geladeira citada no parágrafo de Azul. Da semana de Vermelho não sabemos muito. Ele é bastante reservado.
Foi no quinto gim-tônica, exatamente 12 minutos antes de começar a xepa quando Azul pensou que seria melhor acabar esse gim e ir embora. Reconheceu que as formas começavam a perder seus focos, as pessoas se desfaziam. Blame it on gim, ele resolveu dar mais uma corrida de olho pela pista de dança, afinal de contas não há pra quem prestar contas. Mal tinha entrado na pista quando viu Vermelho sorrindo pra ele.
Vermelho viu os conhecidos todos saírem um por um e quando a última delas saiu decidiu que era hora de dar mais uma dançadinha, afinal ele era adepto da fé na pista de dança. E lá foi ele com sua vodka-tônica. Não sei precisar o quanto disso ele tinha ingerido. Eu comentei que ele é reservado. E então ele viu Azul. E sorriu.
Também acho doido eles não terem se visto antes desse momento. Era um lugar pequeno e que nunca esteve lotado. Mas por mais teledramaturgico que pareça foi só no último degrau, imediatamente, antes da lama, que se encontraram.
Nenhum dos dois sabe dizer quem viu quem primeiro, ou quem deu o primeiro mole ou quem correspondeu. O que podem contar daí pra frente é uma sequência de cortes.
O favorito deles é a cena em que Azul disse a Vermelho que era garoto de programa, e começou a fazer contas e apresentou um orçamento. Um afirma ter sido na cama , outro afirma ter sido no banho, mas isso não é importante.
Vermelho disse: Foi quando ele me disse que era garoto de programa...
Azul disse: Quando eu disse pra ele que eu era michê ele, por um segundo, acreditou. Eu vi na cara dele. Mas depois ele sorriu... acho que foi aí... foi aí sim.
Têm sido vistos pela cidade nos mais diversos eventos. Sorriem muito, dançam e trocam olhares profundos. Não receberam, ainda, reclamações de barulho porque o quarto de Vermelho possui isolamento acústico e muitas almofadas turcas espalhadas no futton de 3x3.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

sobre sexo, amor e chocolate

Certo, admito, o que estiver faltando em casa eu procuro na rua, invariavelmente. Admito essa vilania, sou um canalha, mas deixo isso bem claro desde o princípio a quem interessar possa. Por exemplo, se eu não receber atenção vou procurar chamar atenção fora de casa. Sim, um menino mimado. Mas quem, hoje em dia na minha casta, não o é? Temos um sistema de castas que só difere no indiano pelo fato de nesse nosso particular ser possível ascender com muito esforço, determinação e um bocado de sorte , é claro. Há também castas hereditárias, mas isso é um outro assunto. Explicado esse conceito canalha de castas seguimos adiante. Tá bom, discorde , bata no peito e diga que você nunca foi mimado. Que você nunca recebeu uma recompensa , não por merecimento, mas por amor, carinho, convenção. Quantas vezes você realmente mereceu todos aqueles presentes que papai Noel te deu? Bom... eu e papai Noel nunca fomos grandes amigos mas ainda assim não me excluo. Mas voltando ao assunto. O que fazer com essa informação? Amor é um alien que vc inventa e que se alimenta de si. Caso esse mecanismo de retroalimentação falte em algum momento ele passa a se alimentar do outro. (E no outro buscamos todos as mesmas coisas sendo diferentes apenas a embalagem.) Falha em dar amor quem não está amando. Não existem problemas exteriores que te façam esfriar, ficar distante, perder o interesse. Porque se você parar pra pensar tudo o que você ama é prioridade na sua vida. Então se a televisão ou a internet andam muito mais interessantes pode escolher um outro nome pra isso que está segurando o casal, porque não é amor. Não existiu nem uma vez em que eu buscasse fora alguma coisa que eu tivesse em casa, e, também afirmo que todas as vezes que isso aconteceu, o que estava claro é que a casa já não produzia mais os frutos desejados. Somos todos grandes nós. Por mais descomplicado que você pense que você possa ser , saiba que somos todos dificílimos. A gente se compreende porque a gente se conhece . Sabemos todos os nossos mecanismos mas o outro não sabe. E ao invés de tornamos o outro próximo, deixamos o outro cada vez mais outro, e esquecemos que no cerne somos todos muito próximos. Nos achamos claros como água porque nos inventamos a nós mesmos interpretando referências. Diga mais uma vez eu não sou assim e pode parar de seguir o texto daqui porque a coisa só piora. Todo mundo quer um jardim lindo. Ficamos combinados assim, se alguém tiver vontade de comprar a casa do vizinho a melhor coisa a fazer é liberar a venda da casa anterior. Mesmo que você nem compre a casa do vizinho. Não vai demorar muito pra você se interessar por gramado mais distantes. Bom, talvez você tenha pensado em sexo. Nesse tipo de traição, que é a mais desimportante de todas. Existem muito mais coisas que podem faltar na casa além do fruto proibido. Mas admito que é dele que eu preciso pra manter acesa a chama. E nem estou falando de quantidades, acrobacias, pirotecnias. Eu to falando de um sexo que só quem já amou conhece. O sexo que é melhor que chocolate. E que só é assim pelo fato de que vc confia que o outro não vai deixar você cair. Mas quando alguma coisa acontece nesse equilíbrio delicadíssimo do amor dá pra sentir. É tátil. E se for pra ter sexo só por ser sexo melhor agradecer à audiência, levantar a lona e procurar outro lugar pra montar o picadeiro. Não tem volta. É seco. Mas é assim. Amor e desejo vivem muito longe e muito perto .Entender isso é bem complicado, mas é fácil, demais, saber quando eles estão agindo em dupla. Não se engane, todo mundo sabe o que eu sei. E eu sei em mim e em você.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um whiskey antes da balada

Não se preocupe não, meu bem. Não é nada demais. Eu só estou um pouco cansada mesmo. O discurso do mundo continua tão século vinte, e a gente sendo empurrada para o vinte e um desde que nasceu. Fica difícil não se cansar. Nada muda, nunca. O cardeal vem dizer que a pedofilia é coisa de veado, a esquerda vira situação e quer censurar a imprensa, o que importa no pros outros ainda é a sua reputação ilibada. E foda-se que você não se importe de trabalhar feito uma vaca 24 horas 7 dias na semana. Vão reparar mesmo é em quantos Jacks você entornou na noite da véspera da sua folga e querer saber pra quantos você deu, mesmo que nem você tenha a conta. E vem me falar em modernidade? Imagina, teoria da conspiração. Se houvesse mesmo uma teoria da conspiração deixaria o mundo um poço mais divertido, olha o ato falho... poço... é um buraco mesmo isso aqui. Sem graça, cheio de gente uó e mais um monte de escrotidõezinhas que nem vale a pena contar. Claro que não é todo mundo de todo mau. Mas se você nivelar... Se tivesse mesmo um Deus no alto olhando tudo ele já tinha feito um estrago nisso daqui, já tinha chovido fogo e enxofre em cima dessa merda. A menos que ele tenha um quê de sadismo e ache maneiro as criancinhas na África, as meninas na China, alguém com o cú cheio de bomba explodindo em um mercado. É cada um por si, meu bem. E não se pode mais confiar em nada. A superficialidade é a tônica dos relacionamentos. Me peça dinheiro , mas não me peça intimidade, aliás, não me peça nada, me dê... Me dê tudo o que você tiver. Me dê seu tempo, seu amor, sua dedicação, me dê seus sonhos. Enquanto estiver tudo divertido farei parte deles, na hora que eu me cansar é tchau e bença. Coloco tudo que você me deu no lixo e vou em frente. E é assim, meu bem. É assim que funciona. Nem amor em novela é mais bonito. Nem vilão de novela é mais confiável, eles se regeneram por causa da audiência. A mocinha bonitinha que não é atriz não tá agradando no papel de vilã. Ela se apaixona, sofre um pouco pra purgar os erros e se casa e é feliz pra sempre. Foi um padre quem me disse. A vida não é justa minha filha. Não, realmente ela não. A vida é uma luta desgraçada onde nem sempre os bons vencem. Quanto mais se globaliza, mais individualista fica. E você acha que eu vou me importar? Não. Vou seguir em frente. Penso na Scarlet O’hara e digo: I’ll never be hungry again... Quem me dera. Meu coração não é desses. Mas eu queria. Queria ser má, aliás, nem ser má. Queria mesmo não me importar, não ligar pra nada que não fosse eu mesma. Mas no fundo eu não consigo acreditar que essas pessoas são felizes. Não tem como. E a gente vê nos olhos tristes dessa gente que nunca vai encontrar aquilo que quer pelo simples fato de na verdade não quererem o que pensam que querem. Querer aquilo que viram na mídia... Odeio essa palavra... É um buraco negro pras almas. Ditando aquilo que você deve ser, desde os seus comportamentos, até as formas do seu corpo , passando pelas suas vontades, seus sonhos, seus sentimentos. Essa coisa que o homem construiu pro século XXI é muito estranha mesmo. Vejo gente chorando pelas vítimas do terremoto no Haiti e cagando prum amigo que tá do lado precisando de um abraço. Podiam criar logo o celular com teletransporte. Isso seria útil. Isso me aliviaria um pouco. Mas enquanto ele não chega vamos tomar mais um whiskey? Seu copo tá vazio já! Agora me conta. Me conta tudo. Quero saber de você. Existe qualquer coisa de novo sob o sol que eu não esteja sabendo? Qualquer notícia que me descanse me interessa. Qualquer coisa que me deixe com vontade de ver o dia nascer de novo e de novo e de novo!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A triste e sofrida história do imbecil que se apaixonou por uma vaca sem coração


E fui andando pela rua vazia, o rosto latejando, o sangue pingando do meu nariz, a camisa coberta de sangue, o lábio inchado, cortado , sangrando também e nada disso doía tanto quanto a sua falta de lealdade, porque mil vezes você tivesse trepado com o Brasil e me tivesse sido leal, do que me sendo fiel tenha tido casos, seus, platônicos, com tantos quantos não posso precisar. A avenida vazia, os taxis não paravam, quem pararia prum sujeito com a cara quebrada, sujo de sangue, com um olhar apavorado, andando sem rumo como quem não acredita no abismo aberto diante de si. Além da humilhação, da vergonha de ter sido seu, de ter te apresentado a pessoas, de ter discordado de quem dizia que você não valia nada, além disso um grande sentimento de vazio insuportável, um silêncio seco no fundo da alma com cheiro metálico,  o medo de que essa sensação demorasse muito a passar, de que essa sensação não passasse jamais, a certeza de que não seria possível , jamais, ter aquela parte de mim que eu gostava tanto. O que morreu em mim ainda agonizando, me olhando nos olhos e me dizendo a: A culpa é sua! Eu me acusando a mim mesmo da merda do seu descuido, da sua falta de classe, de delicadeza, de ética, de qualquer nobreza que se possa atribuir a uma pessoa. Acordado por um soco bem dado na cara. Acordado pra ver sua verdadeira fuça, sua cara má, a única que você tem. O sangue pingando na minha roupa, o gosto de sangue na boca, o enjôo que me causava o sangue no estômago vazio , nada se comparava à náusea que a lembrança do seu gosto , do seu cheiro me causavam, a vergonha de ter tirado a minha roupa pra você , de ter dito eu te amo, de ter gemido e gritado de prazer, de ter eu mesmo aberto todos os meus desvãos, minhas gavetas, minhas janelas, ter te mostrado cada canto secreto, ter te deixado passear no meu palácio, ruído, incendiado, queimado, demolido por você, de propósito, por você de maldade, por você. Você é um monstro, um demônio, uma desgraça ambulante. Um erro travestido de gente. Uma doença. Um câncer. Uma catástrofe. Você é a ausência da poesia. A ausência da luz. A ausência do bem. Você é a coisa mais infeliz que pode acontecer a alguém. Lhe falta humanidade, lhe falta brio, lhe falta coragem, lhe falta graça. Você é a ausência total da graça. Em que buraco, em que cegueira eu me encontrava pra ter-te aceitado como luz? Em que condição eu estava pra ter te estendido a mão e te falado vem comigo?E ter te dito me leva agora que eu estou fraco demais pra caminhar? De onde eu tirei a infeliz idéia de acreditar em você, de confiar em você? Mas pago meus erros, andando agora nessa avenida aparentemente sem fim, essa reta vazia onde num para um taxi, deixando um rastro de sangue pela calçada. Bem cafona, bem a sua cara, bem a cara do seu mundinho perfeito, de pessoas perfeitas, de gente educada, careta e pobre de alma. E me dizem , mas que sorte que se revelou assim tão rápido, quando tratado no início o prognóstico é favorável. Não, não tive sorte nenhuma. Tive azar, profundo azar de te encontrar, profundo azar e burrice. Sim , admito fui burro. Burro. Um idiota. Uma besta  mesmo. Mas eu não quero que você morra. Quero que viva. Viva muito. Viva bem. Viva feliz. Viva com medo. Porque um dia, você pode escrever isso, anota aí numa das suas listinhas da sua vidinha mediocremente organizada, um dia quando você menos tiver esperando tudo vai começar assim, uma sombra vai encobrir sua janela, e daí, meu bem, nada será como antes e você vai se lembrar de mim, e quando esse dia chegar  onde quer que eu esteja eu sei que eu vou sorrir como que invadido por uma súbita alegria e vou erguer um brinde, porque eu sei que você não tem culhões pra dar conta.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Uma cadela.

Saudade é dor que dói doída.
Dói doida. 
Doido de saudade.
 Tambor no corpo todo. 
Dói na boca, dói nos braços, na boca do estômago. 
Dói do fundo pro raso. 
Chega aos olhos. 
Saudade é dor  que escorre.
 Que vaza. 
Saudade é dor que mancha. 
Saudade incomoda.
 Saudade provoca.
 Saudade zomba. 
Saudade não tem hora.
 Não tem razão. 
Não tem vergonha, nem moral e nem princípios. 
Saudade não respeita gostos, acordos nem pactos. 
Saudade não obedece. 
Saudade não tem descanso, não tem paradeiro.
 O que ela tem são íris vermelhas. 
Saudade não tem tempo. 
Não tem clima.
 No quente, no frio, na chuva ou na seca lateja. 
Saudade é descompassada. 
Não tem ritmo.
 Não tem auge.
 Não tem apoteose.
 Saudade atravessa. Saudade atrasa.
 Saudade sacaneia. 
Saudade mente, engana.  
Saudade é traiçoeira. 
Saudade é disfarçada. 
Saudade não tem  destino.
 Deságua no lago de  onde veio. 
Saudade não tem par. Saudade é sozinha.
 Saudade nova ou velha, ela não enruga, não perde os cabelos, não dobra a coluna.
 Saudade não tem varizes. Não tem fraquezas. 
 Não perdoa. 
Saudade não mata. Olha , uma coisa boa.
Não tem educação.
 Não telefona antes de chegar. 
Saudade não tem conselhos.
 Saudade é ignorante.
 Saudade transforma o dia. Transforma a casa, a rua.
 Inverte o giro da terra. 
Saudade desterra. 
Saudade não tem sossego. Não tem cura. Não morre.
 Saudade não tem lugar.
 Não tem coberta que aqueça, casaco de pele.
 Saudade anda nua quando chove.
 Acende fogueira em janeiro, na praia, de dia. 
Saudade não se vexa. Saudade é um fantasma do tempo.
Saudade não é fantasia.
 Saudade incomoda.
 Saudade te faz rir de coisa sem graça.
 Saudade tem efeito de cachaça. 
Tonteia. Mistura a idéia . 
Saudade faz mel que cola. 
Que quase nunca é doce.
Saudade amortece. 
Dá cansaço. 
Saudade tem dias que chega cedo. 
Saudade não diz quando parte.
 Saudade às vezes faz surpresa. 
Vem pras festas. Vem pras datas. Vem pras insônias. 
 Saudade cisma em ser várias. 
Saudade te faz de otário. 
Saudade te faz se arrumar. 
Cortar cabelo.
 Saudade te faz esperar. 
Saudade te ilude.
 Saudade reclama. Tem vontade.
 Tem vez que não sabe o que quer. Mas saudade pede. 
Saudade repete.
 Saudade se tranca. 
Saudade vai pra balada.
 Saudade bebe. 
Bebeu,  fodeu. Saudade bêbada não pode ver celular. 
Saudade sabe telefonar.
 Saudade usa internet. 
Já falei, faz cagada e depois repete. 
Saudade vai a restaurante.
 Saudade anda de ônibus, de avião, de bonde. 
Se  tentar se livra dela ela se esconde. 
E volta num cheiro que passou na janela. 
Num tom de azul. 
Num eco que só existe no oco da sua cabeça. 
Saudade zomba, saudade arromba. 
Tem muitos talentos, muitas possibilidades. 
Tem vezes que vira saudades. Aí são muitas correndo nos seus átrios. 
Saudade do que foi, saudade do que nunca veio, saudade do que ainda vem. 
É tinhosa essa saudade. 
Saudade não desanima. 
Saudade infesta. Contamina. 
Te faz escrever bobagem. Rima na prosa.
 Poema sem  verso. 
Saudade é todo um universo. 
E eu rimando pra ela. 
Saudade cadela. 
Mas tudo bem. Senta aí, minha filha, daqui a pouco você passa. 
Quer dizer, você cochila.
 Saudade me faz querer ser estrangeiro, falar outro idioma. 
Todo o mundo sente falta.
 A gente sente saudade.

quarta-feira, 31 de março de 2010

e do tamanho de um punho fechado

As primeiras cores apareciam  e um vento seco chegava anunciando o sol que lentamente rebentava  no horizonte,clareando a paisagem sem cor. Tudo pálido, rachado. Restos de coisas retorcidas, congeladas num último esticar-se  em busca de alguma alento. Um galho como um braço desprendido do corpo se arrastava, dedos crispados erguidos pro céu. Só o que se movia era o vento, e por ele as coisas mortas e  poeira dançavam como fantasmas. Uma paisagem onde só  solidão era forte e firme. Sem canto das folhas, sem magia. Era só mais uma vez o céu limpo e o ocre desbotado da terra até onde a vista alcançava. Tudo tinha absolutamente a mesma cor. Tudo tinha absolutamente o mesmo gosto. Tudo era absolutamente a mesma coisa. Todas as formas fundidas, todas as matérias unificadas, todas as cascas endurecidas. Tudo era calo. Tudo era duro. E tudo mais cedo ou tarde virava pó. Se dissolvendo no vento. Crepitando sob o sol. Se desfazendo, se desunindo, desconectando. Ossos, madeira e terra. A construção parecia fundida ao chão derretendo e por ele se dispersando.Feitos da mesma matéria foi a primeira a se uniformizar dando sinal daquilo que viria. Nem mais o cheiro de morte havia no ar. Um ar que parecia duro, que era com custo que se o respirava. Que tinha o gosto da terra, da casa, das plantas, dos ossos. A língua dentro da boca como um torrão dessa mesma terra que um dia foi barro que fez a casa, que fez o poço que não passava de uma lembrança, como uma concha que se cata numa praia pra um dia se lembrar que vira o mar. Havia dias tentara uma vez mais. Sonhara com água e fora até o poço ainda de noite e nada. Como partir? Com que forças andar e pra onde? Com que esperança? Como andar? Era dia e esconder-se do sol era a lei. Rezar pra que ele fosse logo embora, rezar pra que a chuva caísse, rezar já sem muita esperança, a não ser aquela que quer existir por capricho . Era essa noite que deveria partir? Ou era essa noite que chegaria ajuda? A única coisa que cai do céu é água, lembrou o avô, o velho xucro e seco, o resto, tem-se que fazer aparecer. A única coisa de que precisava agora era água. Se tivesse água poderia fazer tudo aparecer. Se tivesse água poderia remendar as paredes. Poderia começar um roçado. Poderia ter então galinhas. Poderia quem sabe uma vaca. E sorriu banguela à lembrança de um copo de leite, E se encolheu no canto inteiro que restava das paredes. E se resignou a esperar que o sol partisse. E partiria com o sol? Pra onde? Pra que lado? Onde estavam as coisas? Onde estava a água? E teria forças, mesmo se soubesse que rumo tomar, teria forças pra caminhar além da cerca?Quanto teria que andar? E para onde? E por que esperara? Porque não partira ainda? Por que esperança? Pra que? Era preciso esperar o sol baixar. Com um pouco de sorte encontraria algum bicho. Beberia com prazer agora o sangue de qualquer bicho que cruzasse o seu caminho. Os valores todos mudados. A moral da necessidade. Os pudores da sobrevivência tão diferentes . O sangue de um cachorro lhe parecia apetitoso aos lábios e mesmo o seu estômago pediu por ele. Quis dormir e sonhar que sugava o sangue de um cão. Quis dormir mas teve medo. Era hoje, era preciso partir. Ficar e morrer, partir e morrer. Morrer era o certo. Ficar ou partir pareciam determinar somente o onde o corpo tombaria como um tronco de madeira. Mas a esperança de no caminho encontrar o tal cachorro, ou um lagarto, ou o que fosse. Devia ouvir essa fada também já ocre como todo o resto? Não fora ela que o convencera a ficar, com a esperança de que viria do céu a sua água. Não seria só mais uma armadilha dessa fada? Esquentava mais. Quis chorar. E pensou que chorar seria bom. Poderia lamber as lágrimas que desceriam pelo rosto. Quis chorar muito. Quis chorar com uma intensidade até então desconhecida. Mas dentro era ocre também. Não haveria lagrimas, com um pouco de sorte hoje mijaria e mais uma vez beberia o próprio mijo. Comeria as próprias fezes e daí teria forças pra se levantar depois do sol partir e fugir dessa fada desafiando a todos os sortilégios por ela jogados. Já não cria mais em nada. Queria mijar, queria querer mijar. Reparou que também ficara ocre. Reparou que também virava terra. Era hora de partir. Era hora de sair dali, mas pra onde?  Pra que lado? Precisa ter um plano. Precisava ter um rumo. Seguiria o ponto onde o sol se esconde, assim ele demoraria mais para voltar no dia seguinte, perseguiria a noite e em algum momento encontraria orvalho, e lamberia as pedras  e seria tão bom. Levaria só o corpo, os panos que lhe cobriam. Mais nada pra carregar consigo. Mais nada. Estava decidido. Nessa noite partiria, perseguiria a noite. A algum lugar ela o levaria. E encontraria um lugar pra se esconder do sol no dia seguinte. Mas onde? Onde se protegeria  do sol no dia seguinte? Precisava saber onde se protegeria do sol no dia seguinte. Não, não precisava. E era só de água que precisava pra fazer todo o resto aparecer.  E água é a única coisa que cai do céu.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Uma outra epifania


Acendi a luz da cozinha, luz branca, fria, e me lembrei de você reclamando da feiúra que ela dava aos ambientes. Reclamando da tristeza que ela trazia. Mas não consegui me lembrar a que local exatamente você a comparava. Se um hospital, uma farmácia, não me lembro. Mas me lembrei de outras sensibilidades que você me despertou quanto às cores, texturas, gostos, e que nunca mais vou poder separá-los, você e os queijos azuis.  À quanta coisa eu nunca tinha prestado atenção, e hoje, deparando-me com uma foto sua descrita em 1938, em folhas amareladas do livro apanhado na biblioteca me percebo, enfim, sem a ofuscação das luzes fortes dos fogos e da manhã nascente o quanto foi importante. O quanto foi necessário, o quanto foi descuidado, o quanto fui imbecil. Acho que a melhor palavra ao invés de imbecil seria ignorante, ou talvez ainda descuidado. Mas como se ter cuidado com aquilo sobre o que se ignora? E com essa frase me obrigo a perdoar mais dois ou quatro na minha vida. Será isso? Só podemos perdoar aquilo que já perdoamos em nós mesmos? Só podemos aceitar nos outros aquilo que em nós mesmos foi aceito? É preciso coragem para olhar-se de frente no espelho sob essa luz fria que você odeia, e aceitar o erros, os descuidos e o pior ainda, aceitar que os cometam contra a gente ,pois automaticamente todas as desculpas que pudermos usar pra nós mesmos serão usadas para os outros e se todo mundo soubesse o que vai na cabeça de cada um possivelmente estaríamos isolados em solitárias, guardados do convívio humano para sempre. Nós que somos homens e que nos suportamos por uma tênue linha que quando rompida causa desconforto a todos, apenas por nos lembrar o quanto somos frágeis e o quanto estamos expostos, e o quanto a vida vale.  É estranha essa posição entre a juventude e a velhice.  E não faz muito sentido no século XXI. As idades estão perdidas no tempo ou sou eu que estou perdido no tempo. A juventude estranha se formou sob os nossos olhos e não percebemos que criávamos monstros sem alma ou foi a dádiva do século da ciência a secagem das almas que antes acompanhavam as vontades  e os instintos na consciência que se chama homem. Por que com tanto desenvolvimento tecnológico alguma coisa se perdeu? O que é que falta nessa massa que se levanta sem ídolos relevantes e ícones descartáveis como a cultura pop? A sucessão de dançarinas rebolativas içadas à posição de grandes artistas num mundo que já conheceu grandes artistas? Pra onde foram os grandes artistas? Pra onde foi a arte? Que caminhos ela tomou? Será que estamos perto demais para obsevá-la crescendo? Sobrepondo-se sobre essa gente entorpecida ou não e interessada quase que exclusivamente no consumo? Será o consumo a expressão artística do século? A grande arte do século é saber fazer-se consumir?  O grande ideal artístico de hoje será consuma-me? E tudo isso me vem do simples gesto de apertar um interruptor e ver a cozinha encher-se da luz branca que você odeia. Muitas questões, muitas questões e qual a real relevância delas? A quem interessa? Será que era isso mesmo que Duchamps queria com o seu protesto, sua, realmente, artística, inspirada, brincadeira? Será que ele sabia as conseqüências que isso teria sobre o mundo onde as pessoas não são levadas a refletir? Onde a maioria das pessoas deve viver sem pensar para que funcionem como massa de manobra? Será que isso interessa a alguém? Ou o melhor que faço é calar-me e tornar-me consumível?... E tudo isso me vem do simples gesto de apertar um interruptor e ver a cozinha encher-se da luz branca que você odeia. Que haja pelo menos um  você pra cada eu. Pra que eu possa perceber que a luz feia e branca, e fria, que me empurra o mundo está muito aquém das possibilidades de iluminar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Um sentimento manco

Coisa mais estranha é sentir saudade.
Que sentimento esquisito. Sentir falta de... Parece um amor manco.
E quando elas se misturam e você nem sabe mais do que está sentindo falta?
Tem saudade gostosa de sentir. A gente lembra das coisas e vem um sorriso e como era bom. Tem saudade que é ruim. Não tem função a não ser doer.  Fazer vontade que passe. E não passa.
Tem saudade que é mentirosa. A maioria. Chega assim, querendo te convencer de que aquilo te faz falta e a gente sabe que não faz.
 É complexo o assunto.
 É um sentimento injusto, a saudade, porque não tem cura. Não tem remédio. Só se distrair pra esperar  passar. Porque quantas vezes a gente vai, encontra, visita a casa, e ela continua lá, no máximo ela dorme. Doida pra acordar de novo.  Então você sabe que ela só existe pra te incomodar.
Saudade não mata. Pensar o contrário  é bobagem.  Ela inferniza. Faz maldade. Acaba com um dia inteiro. Faz o estrago que a gente deixar.
E não é tudo assim no mundo do sentir? Os estragos e as benfeitorias são do tamanho que a gente deixa ser.
Fosse eu mais esperto não te deixava me estragar  tanto, Saudade.  Fosse eu mais esperto nem te deixava nascer. Fosse eu mais esperto...  E já estou rindo de mim. E já decido ficar mais esperto.
Do que é que eu sinto falta? Não tem nome de gente, nem de lugar... Talvez nome de coisa... Ah, sei lá... Só não me atrapalhe o dia, Saudade, que eu to cheio de coisas sérias pra resolver.

sábado, 9 de janeiro de 2010

For the time being


Estava conversando  com um amigo esses dias, ele tem 20 anos.  Ele me contava das suas preocupações e aflições com as coisas. Coisas essas que já me preocuparam e me afligiram, mas que hoje eu sei que não tem, lá, grandes importâncias.  Senti saudades da vida quando as minhas preocupações eram essas, e, a grande maioria delas, se não todas, se resolveriam quando chegassem as férias de dezembro. E então ele começou a me explicar conceitos de coisas seríssimas como a vida, a arte, o amor. Coisas que ele aprendeu, que ele entendeu. As coisas como elas são. Aí eu achei graça. Cheguei mesmo a rir, sem que ele notasse, claro, porque quando eu tinha 20 anos, e nem faz tanto tempo assim, eu seria capaz de voar no pescoço de alguém que se atrevesse a rir das minhas certezas. Foi então que me ocorreu que amadurecer é encher-se de dúvidas. É ver cair por terra os grandes conceitos, os grandes entendimentos. E deixar de se importar se o seu interlocutor compartilha das mesmas idéias que você. É encontrar a serenidade no não sei. Entender que as coisas mudam, que os conceitos se alteram e o que fazia sentido há quinze minutos , de repente, se torna outra coisa com a mudança da incidência de luz. É ter a liberdade de saber que tudo é dinâmico. Aceitar que, mesmo, os gostos se alteram. Até em relação às comidas, às cores, às roupas. Tem algum tempo eu notei que listas de favoritos não fazem sentido para mim. Prato preferido? Não sei, gosto tanto de tanta coisa e não há nada que eu não trocasse por outra coisa se fosse essa a minha vontade no dia. Amo churrasco, acho uma delícia, mas no dia que eu estiver morrendo de vontade de comer uma lasanha de berinjela, esperando por ela , uma picanha pode ser uma experiência frustrante. Qual sua cor favorita? Essa é uma pergunta que eu acho bastante idiota e tenho vontade de responder, pra que? Porque eu amo laranja, mas não gostaria que as paredes do meu quarto fossem pintadas dessa cor e hoje não usaria uma camisa cor de abóbora pra nada, a não ser que fosse um figurino. Quem é a mais bonita, ou o mais bonito? Não sei. Existe um nível de beleza onde esse tipo de discussão se torna inútil.  Você pode se sentir mais atraído por um e por outro, e atração física não segue lei, é uma resposta a um instinto. Acho que daí vem os gostos. Do instinto. Uma coisa que eu acredito, faz tempo, e vou continuar acreditando até que essa idéia mude ou seja esquecida é  a seguinte : se eu tenho vontade muito grande de comer alguma coisa é porque de alguma maneira meu organismo precisa de algo que ele encontrará lá. Isso pra mim é quase uma superstição. Talvez seja isso também uma experiência de amadurecimento. Saber usar seus instintos, desenvolvidos pelos anos de observação e prática de coisas ao longo da vida. Já tive muitas certezas absolutas. Hoje não tenho mais nenhuma. Acredito que, de certa maneira, a verdade é um conceito tão abstrato quanto o tempo. Tem a sua função no funcionamento das coisas, mas de fato sua existência está atrelada a outras coisas e se tudo muda porque ela se manteria constante. Há quem afirme que até o tempo mudou, que hoje ele passa mais rápido. Eu desconfio que não. Mas não vou discutir com ninguém por isso. Aprendi que discutir pra sustentar uma opinião, é também, uma grande perda de tempo. Melhor é ouvir as opiniões e ver o que se pode aproveitar delas. Manter-se sereno e ter dentro de si aquilo que pra você é real. Não quero parecer leviano em dizer que não tenho opinião em nada, nem que há coisas pelas quais não tenhamos que lutar. Mas saber quais as lutas precisam ser travadas é o que importa. E no mais sorrir. Fazer uma cara de surpresa e concordar com um: pode ser que você esteja certo. Hoje eu penso assim e sigo tranqüilo, acreditando que enquanto a pele desaba a consciência se expande. Que seja assim. E que a vida seja boa, em paz, sem ter obrigação de provar nada para ninguém. Sem ter que saber de tudo. Sem ter que entender tudo. Manter a alma cada vez mais ávida, cada vez mais aberta, cada vez mais capaz de absorver o que de novo vier pelo caminho.Se fechar numa idéia é encurtar o horizonte. Quero horizontes infinitos. Pra sempre.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Novo em folha


Começou o ano novo, o calendário virou e eu acho um tanto bonito dizer os anos 10, estamos nos anos 10 do século 21. Penso que em 80 anos as pessoas falarão dos Anos 10. Me vem a voz de uma professora de história falando numa sala de aula, ou qualquer coisa que o valha: Nos anos 10 do nosso século... Dá um certo ar vintage pra esses dias. Acho legal, acho bonito, acho interessante. Tomara que haja uma recuperação da graça, do glamour, da beleza, da arte... Mas aí me ocorre que a Beyoncé é o grande sucesso e subitamente me desanimo. Mas o ano está começando e ainda dá tempo pra salvar a década.
O ano começou e eu mandei um texto pra várias pessoas que eu gosto, e, na sequência fui atacado por um sentimento de culpa porque o texto não era meu e a maioria das pessoas me escreveu de volta me parabenizando pelo texto. Não foi minha intenção me apoderar dele, é um texto da Mafalda, que eu dei uma micro adaptada, lindo. Bom... Primeiro mea culpa do ano. O texto não é meu. Vocês que foram da leva do e-mail sem o crédito me perdoem, e, por favor, não deixem de me amar por isso. Um amigo ao ser avisado me respondeu dizendo que veria o que pode fazer por mim, quanto a deixar de me amar ou não.
Fora isso, bem, meu réveillon foi muito atípico. Pela primeira vez, em muitos anos, tantos que eu nem sei precisar, entrei sóbrio num ano novo. Completamente sóbrio. Vi o ano virar careta. Totalmente careta. Se atrair coisas boas continuarei assim, se não der nenhum resultado visível, ano que vem bebo do jeito que sempre fiz. Não tinha planejado isso, não que tinha sido uma resolução, só resolvi que ia ficar em casa com meus pais e qual é o propósito de beber com o pai e a mãe... Nenhum.
Espero que seja um ano produtivo, cheio de trabalho remunerado, remunerado eu disse, eu disse remunerado, que eu consiga economizar algum e que a vida seja doce. Super afim de um pouco de paz e alegria pra mim também. Quanto ao amor, não vou procurar, se ele quiser que me encontre. Passei anos atrás dessa pérola e veja você , a busca me  levou a lugar nenhum.
Então surge um balanço. Não encontrei o amor definitivo, não sou um sucesso na minha carreira, aliás, nem tenho uma carreira, fiz e faço tanta coisa e todas tão diferentes que sofro um profundo constrangimento ao preencher qualquer ficha quando me perguntam profissão. Acho que é um bom objetivo pra 2010. Definir uma carreira. Vou escolher a que pagar melhor, e tenho dito. Mas isso tudo eu to escrevendo porque eu quero dizer que apesar disso eu não estou deprimido, querendo chorar, arrancar os cabelos e a barba. É só arregaçar a mangas e ver de onde se parte para construir alguma coisa nova. E é assim que eu to agora. Vendo onde eu coloco meu pé pra dar o primeiro passo.
O que é bom de se amadurecer um pouco é que as coisas vão perdendo a importância gradativamente, acho que o sentimento imperativo da velhice deve ser bem nonchalant.
 Outra resolução de ano novo, acho que eu sou o único a resolver depois que o ano começa. Quero deixar ligada a tecla CAGUEI, acabo de me dar conta. Muito mais poderosa que o FODA-SE. O FODA-SE determina que vc deseje alguma coisa de ruim porque vc está desejando que a coisa, a pessoa em questão se dane, implica em sentir raiva. O CAGUEI não. Te liberta de qualquer relação com o fato, pessoa que te incomoda. Me lembrei do Amir Haddad, é melhor uma diarréia a uma prisão de ventre. Ótimo. A tecla CAGUEI estará on.
Bom, acho que basta de resoluções que eu não sou babaca de ficar aqui, ah, vou parar de fumar, vou ser mais legal, vou sei lá o que. Claro que eu sei que o cigarro só faz mal, que fede e blábláblá whiskas sachet. A respeito disso, preconceito contra fumante é uma palhaçada dessa gente politicamente correta de merda que vive se escondendo num mundinho cuzão de ser estampa de evento. Você que tem preconceito de fumante... Caguei que você não gosta do cheiro, mesmo, porque você só ta agindo assim porque é politicamente correto, não é porque você tem uma opinião formada, quem tem opinião formada não tem ódio de quem tem opinião contrária. Todo fundamentalista é atado mentalmente. Largo o cigarro quando eu puder.
2010 começou. Quero definir uma carreira, quero juntar uma graninha, e, pro resto, caguei.