quinta-feira, 1 de abril de 2010

Uma cadela.

Saudade é dor que dói doída.
Dói doida. 
Doido de saudade.
 Tambor no corpo todo. 
Dói na boca, dói nos braços, na boca do estômago. 
Dói do fundo pro raso. 
Chega aos olhos. 
Saudade é dor  que escorre.
 Que vaza. 
Saudade é dor que mancha. 
Saudade incomoda.
 Saudade provoca.
 Saudade zomba. 
Saudade não tem hora.
 Não tem razão. 
Não tem vergonha, nem moral e nem princípios. 
Saudade não respeita gostos, acordos nem pactos. 
Saudade não obedece. 
Saudade não tem descanso, não tem paradeiro.
 O que ela tem são íris vermelhas. 
Saudade não tem tempo. 
Não tem clima.
 No quente, no frio, na chuva ou na seca lateja. 
Saudade é descompassada. 
Não tem ritmo.
 Não tem auge.
 Não tem apoteose.
 Saudade atravessa. Saudade atrasa.
 Saudade sacaneia. 
Saudade mente, engana.  
Saudade é traiçoeira. 
Saudade é disfarçada. 
Saudade não tem  destino.
 Deságua no lago de  onde veio. 
Saudade não tem par. Saudade é sozinha.
 Saudade nova ou velha, ela não enruga, não perde os cabelos, não dobra a coluna.
 Saudade não tem varizes. Não tem fraquezas. 
 Não perdoa. 
Saudade não mata. Olha , uma coisa boa.
Não tem educação.
 Não telefona antes de chegar. 
Saudade não tem conselhos.
 Saudade é ignorante.
 Saudade transforma o dia. Transforma a casa, a rua.
 Inverte o giro da terra. 
Saudade desterra. 
Saudade não tem sossego. Não tem cura. Não morre.
 Saudade não tem lugar.
 Não tem coberta que aqueça, casaco de pele.
 Saudade anda nua quando chove.
 Acende fogueira em janeiro, na praia, de dia. 
Saudade não se vexa. Saudade é um fantasma do tempo.
Saudade não é fantasia.
 Saudade incomoda.
 Saudade te faz rir de coisa sem graça.
 Saudade tem efeito de cachaça. 
Tonteia. Mistura a idéia . 
Saudade faz mel que cola. 
Que quase nunca é doce.
Saudade amortece. 
Dá cansaço. 
Saudade tem dias que chega cedo. 
Saudade não diz quando parte.
 Saudade às vezes faz surpresa. 
Vem pras festas. Vem pras datas. Vem pras insônias. 
 Saudade cisma em ser várias. 
Saudade te faz de otário. 
Saudade te faz se arrumar. 
Cortar cabelo.
 Saudade te faz esperar. 
Saudade te ilude.
 Saudade reclama. Tem vontade.
 Tem vez que não sabe o que quer. Mas saudade pede. 
Saudade repete.
 Saudade se tranca. 
Saudade vai pra balada.
 Saudade bebe. 
Bebeu,  fodeu. Saudade bêbada não pode ver celular. 
Saudade sabe telefonar.
 Saudade usa internet. 
Já falei, faz cagada e depois repete. 
Saudade vai a restaurante.
 Saudade anda de ônibus, de avião, de bonde. 
Se  tentar se livra dela ela se esconde. 
E volta num cheiro que passou na janela. 
Num tom de azul. 
Num eco que só existe no oco da sua cabeça. 
Saudade zomba, saudade arromba. 
Tem muitos talentos, muitas possibilidades. 
Tem vezes que vira saudades. Aí são muitas correndo nos seus átrios. 
Saudade do que foi, saudade do que nunca veio, saudade do que ainda vem. 
É tinhosa essa saudade. 
Saudade não desanima. 
Saudade infesta. Contamina. 
Te faz escrever bobagem. Rima na prosa.
 Poema sem  verso. 
Saudade é todo um universo. 
E eu rimando pra ela. 
Saudade cadela. 
Mas tudo bem. Senta aí, minha filha, daqui a pouco você passa. 
Quer dizer, você cochila.
 Saudade me faz querer ser estrangeiro, falar outro idioma. 
Todo o mundo sente falta.
 A gente sente saudade.

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