sábado, 12 de dezembro de 2009

Simples assim


Se conheceram por acaso. Em um site de relacionamentos. Ele tava passando por um momento difícil. Ela também. Os dois tiveram perdas traumáticas. No perfil dela ele pode perceber que ela sentia a falta de alguém. No perfil dele ela podia perceber que ele estava triste. Ele tinha visto a foto dela na página de um amigo e a tinha adicionado. Ela era bonita. Um pouco fora do padrão, mas alguma coisa naquela foto tinha chamado sua atenção. Ela achou ele bonito, sexy, com um sorriso tão charmoso.. Ela aceitou o convite. Ele não perdeu tempo quando a viu on-line. 
Ele – Oi! Td bem?
Ela – Td!
Ele – como é que ta o tempo aí?
Ela – Vc mora onde?
Eles moravam longe. E conversaram horas. Uma conversa cheia de simpatia e amenidades. E os olhos pregados na foto um do outro. Eles já tinham conhecido gente assim na internet. As fotos sempre mentiam muito. E se ele fosse fanho? E se ela tivesse a língua presa? Ele pediu o telefone dela no terceiro dia. Precisava ouvir sua voz. Ela passou o número meio com medo. Ele ligou na mesma hora. Tinha a voz macia, com o sotaque forte. Ela tinha a voz bonita. Um pouco diferente do que ela imaginava, mas bonita. Os dois ficaram muito aliviados de saberem que nenhum deles tinha problemas de fala. A conversa foi tímida, cheia de falas juntas, atropeladas. De quem ela sentia falta? Por que ele estava triste? Perguntas que guardaram.  Ela tinha que ir pruma reunião. Precisava desligar. Mais tarde se falaram de novo.
Já era o quinto dia quando ela contou que sentia falta do Buarque, seu persa branco e suprimiu informações sobre Fernando, um outro gato. Ele contou que estava triste porque tinha perdido seu emprego, suprimiu informações sobre Aurélia, uma vaca.
A conversa fluía e a distância só fazia aumentar a curiosidade. Ele em breve deveria ir à cidade dela, era lá que ele procurava emprego. Ela ansiava desesperadamente pelas férias. Tomara que ele chegasse antes. Um dia ela contou pra ele do seu irmão que se casaria com uma menina que conheceu na internet. Ele ficou empolgado e se lembrou de um amigo que ia casar na Espanha por causa da internet, mas não falou nada.
Ela queria sexo e colo, ele queria sexo e colo.
Os gostos batiam, as idades batiam, as vontades batiam. Só não batiam o tempo e as cidades. E ela gostava de gatos e ele gostava de cães. E ele fumava e ela não. Mas ela  arriscou numa conversa: Quando a gente casar você pára. Ele disse que parar era um projeto. Mas que nesse exato momento não poderia realizar. Sabe como é a ansiedade.
Ela contou que cozinhava e que ia fazer um almoço pra ele. Ele contou que cozinhava e que queria fazer um jantar pra ela. Ela postava os cardápios no site de relacionamentos ele salivava em frente ao computador e a foto dela.
Cada vez que falava com ela ele sentia mais vontade de arranjar logo esse trabalho e nem se lembrava da Aurélia, a vaca. Ela por sua vez se esquecia do Buarque e do Fernando, os gatos.
A vida dela era toda esquematizada em cima da existência do Buarque, se sentia perdida. A vida dele era toda esquematizada em cima da Aurélia, se sentia perdido.
A conversa seguia seu curso, cheia de seduções e desejos, hora escondidos hora ditos. Ela perdeu um pouco a vergonha e começou a falar coisas íntimas sem se dar conta do quanto se expunha. Queria conhecer esse homem. Ele ficava cada mais excitado com a exposição dela. Queria conhecer essa mulher.
Bem, quase um mês de internet e nada dele aparecer. Melhor dar sequência na vida, ela pensou. Bem, quase um mês de conversa e nada de sair esse emprego. Melhor dar sequência na vida ele pensou. As conversas foram se espaçando. De vez em quando elas fluíam como antes, mas foram se espaçando.
Um dia ela chegou do trabalho e tinha um e-mail dele. Estou na cidade. Vim pra uma entrevista, que dia você pode fazer aquele almoço pra mim? Ela já estava conversando com outros caras, mas a curiosidade fez com que ela respondesse quinta feira, traga o vinho. Ele  já estava conversando com outras mulheres mas a curiosidade fez ele mandar o e-mail.Queria conhecê-la. No dia do jantar ele estava nervoso, ela estava nervosa, os dois foram ao salão. Ele cortou cabelo, aparou a barba queria estar bonito. No caminho, enquanto comprava o vinho, colocou junto um pacote de camisinhas. A gente nunca sabe, né? Ela fez unhas e escova, queria estar bonita. Decidiu então depilar. A gente nunca sabe, né?  A esperança não morre e nem sabe fazer silêncio quando é assim , urgente.
Ele tocou a campainha levemente atrasado fingindo que não estava. Ela abriu a porta com um enorme sorriso, fingindo que isso não a irritava. Ele deu uma desculpa pra fingir que era pontual. Ela fingiu que acreditou. Ele sabia que ela tava fingindo mas fingiu que não notou. Ela também.
Ele era um pouco mais baixo e mais cheinho  do que ela pensava. Não, ele não era gordo. Só tava mais cheinho, deviam ser a férias forçadas. Ela era mais magra que ele pensou, e parecia um pouco mais cansada que nas fotos do site, devia ser a idade. Fingiram que nem perceberam porque ainda assim se acharam bonitos.
O estranho constrangimento de se estar com alguém que se conversou tanto mas nunca se viu enchia o ar como fumaça. Coisas do século XXI.
Ele abriu o vinho. Serviu. Fizeram um brinde. Ao meu novo emprego ele disse. Ela sorriu satisfeita . Se beijaram e  o beijo encaixou. E ela agradeceu a Deus por ter se depilado. E ele agradeceu a Deus por ter se lembrado de levar camisinhas.
Durante alguns meses se viram todas as semanas, transaram muito, ele deu um gato pra ela. Ela fez vários almoços pra ele. E aproveitaram bastante um do colo do outro.
Um dia a curiosidade acabou. Fingir já não era mais preciso.
Não se casaram com pessoas que conheceram na internet como o irmão dela e o amigo dele. Mas durante alguns meses foram felizes. Hoje são amigos e contam essa história como se fosse a mais divertida das aventuras.
A vida é meio vazia na verdade, e às vezes pode parecer chata, quando a gente perde um gato, um emprego, uma Aurélia ou um Fernando. Depende da gente encher ela de coisas. De gente, de bicho, de crenças, de problemas. A vida é aquilo que a gente faz dela, nem bonita e nem feia. A vida é. Só não se pode, nunca, ficar parado. Tudo o que pára apodrece. E eles sabiam disso e eles seguiram o movimento.
Ps - Aurélia engordou 15 quilos e hoje dá aulas, casou-se com um homem de língua presa que ficou careca e vende cimento. Fernando continua um gato, mudou pra Michigan, até hoje nunca conheceu o amor, mas continua tentando. Todos são felizes.


Um comentário:

  1. Conheço uma história bem parecida, mas são dois homens.E ainda não sei o final.De qualquer maneira, gostei muito.Muito.

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