sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Blame Mr. Wilde.


Saíram carregando, juntos, a escultura que encontraram , em uma pedreira, logo depois do portão da cidade. Era de porcelana muito fina, a imagem. A figura era grande e era bela. Podia ser de um anjo ou um cupido, ou o misto de anjo ou cupido, ou ainda, talvez, fosse um deus diferente. O que acontece é que a encontraram numa noite quando passavam  pela pedreira e tiveram a impressão de que iam ao mesmo lugar . Decidiram, depois de uma longa conversa, carregá-la. E saíram andando com o deus as mãos. No caminho  se conheciam, conversavam, riam, se divertiam, faziam planos para estátua que permanecia imóvel e risonha nas mãos dos dois .Ao longo da noite, o tamanho e o peso da estátua foi-se fazendo perceber.  E dava trabalho carregá-la. Tinham que andar num mesmo passo, tinham quase que respirar juntos. Olhavam-se nos olhos muitas vezes e tinham o propósito de levá-la até lá. O primeiro impasse surgiu, realmente, quando de repente percebeu-se que não haviam conversado sobre para onde iam. E era estranho carregarem, juntos, uma coisa delicada se não sabiam para onde estavam indo. E se não sabiam isso, então, para que carregá-la? Pousaram a estátua no chão. Um foi ao rio beber água, refrescar-se, o outro entrou na floresta pra caçar. O que foi ao rio conseguiu pegar alguns peixes, fazer fogo, esperou que o outro voltasse, mas com fome e cansado acabou por comer os peixes e adormeceu perto da fogueira. Ao acordar de manhã, notou vestígios da presença do outro enquanto dormia, mas como ele ali não estava olhava a estátua e a imaginava  o que faria dela. Talvez devesse tentar levá-la sozinho. Não sabia se seria possível, pois era grande e pesava. Tentou pegá-la, mas era desajeitada para levar. Realmente precisaria da ajuda do outro ou de alguém que passasse e se encantasse pela estátua, e entrassem e m acordo sobre para onde a levariam, como dividiriam os lucros (meio a meio deveria ser, sim, pois se a a levaram juntos). Deveria ter algum valor a estátua. Ou então se a abandonaria ali mesmo à margem do rio e alguém que passasse acompanhado a encontrasse e a a levasse, e ficou com ciúmes da estátua e ficou com raiva do outro que havia prometido que levaria com ele até o fim, mesmo que não soubesse a que fim iriam. E novamente anoiteceu, e nessa noite não houve peixes, mas tinha fogo e mais uma vez adormeceu. O impasse da espera se arrastou por alguns dias. E então, um dia sem muito dizer, o que tinha ido à mata chegou com restos de frutas presos  à barba e manchas de sangue na camisa. Conversaram um pouco. Decidiram pegá-la novamente para levara pela margem do rio aonde quer que ele desse, pois os rios em geral dão em cidades. Um pouco receoso o que aguardara à margem do rio perguntou mais uma vez se realmente seria uma boa idéia carregá-la visto que num primeiro momento sequer saberiam onde a levariam. O que foi à mata e voltara sujo de frutas e sangue disse: a levaremos onde quer que queira ir, mas vamos sem pressa, vamos levando.  Puseram mais uma vez a estátua nas mãos e saíram carregando. Dessa vez ela parecia mais pesada ainda. O que ficara no rio se sentia fraco e achava que o outro a deixava pender demais para o seu lado. O que fora à mata se queixava que o outro se empenhava demais nessa função e tinha seus olhos voltados sempre para a mata falando das frutas e animais que vira lá dentro. Foi então que o que ficara à margem disse, pois bem, se você não quer mais levá-la comigo, a pousamos aqui, damos por encerrado esse caso. Sem essa carga me movo mais rápido, chego mais cedo onde quero ir e embora não possa contar com o lucro que espero por ela receber, o adiantamento na viagem já é um lucro que me vale. O que eu não tinha antes e me foi posto nas mãos sem eu pedir, sem mesmo eu  querer, sem dúvidas não me fará falta. E você volta seu caminho para a floresta a descobrir  frutas e pássaros ou qualquer animal. Não me importa. Diz-me agora. Pousamos aqui a estátua. Deixamo-la aqui. Talvez estivesse, lá, abandonada, porque quem a levava antes também se enfadou. Também desistiu. É normal, não é vergonha. Anda, pomos agora a estátua no chão e cada um segue o seu caminho como era antes. Melhor para os dois. Assim não me atrasa e assim não te atrapalho. O que fora à mata, não sabemos explicar porque disse que não. Que levariam a estátua aonde quer que fosse que o outro determinasse e teriam os lucros esperados e era isso que faria. E era isso que se deveria fazer. E que sim, ele não mais penderia o peso todo pro outro lado e tomaria mais cuidado pois como estava do lado das árvores tinha a missão de protegê-la dos galhos que castigavam a estátua conforme caminhavam rumo a um a cidade que já podia ser avistada, um pouco mais abaixo, logo depois de uma curva leve que o rio fazia para a direita. Seguiram caminhando, agora com menos palavras e empenhados em levar a tal estátua que de repente parecia ter mudado de feição. Não sabemos dizer se pelo peso, pela jornada, pela mudança da luz. Parecia séria e também cansada. Talvez valesse menos do que pensava o que tinha ficado no rio, mas já que a carregara até ali melhor chegar  acidade e se tudo fora em vão a jornada havia de ter-lhe ensinado qualquer coisa. Foi então que uma coisa que o que no rio ficara não conseguiu ao certo identificar acertou em cheio o peito do que fora à floresta. Vinha da floresta e foi tão rápido que ele não pode ver o que fora lançado, nem de onde fora lançado, mas a reação do que fora à floresta foi de abandonar a estátua que o outro tentou ainda equilibrar, mas pelo peso e pela súbita perda de apoio foi ao chão espatifando-se em milhões de pedaços, quase que pulverizada pela queda. O que ficara no rio olhava incrédulo a estátua desfeita em segundos diante dos seus olhos, o que tinha ido à floresta correu mato adentro e não respondeu aos gritos do outro que o chamava, em parte querendo uma explicação, em parte preocupado com o que foi que acontecera. A explicação jamais viria. Mesmo o que saíra correndo não saberia explicar. Quando não se sabe aonde se quer ir não se deve oferecer companhia. Quando se sabe aonde se quer chegar deve-se filtrar  toda aproximação. O que ficou à margem do rio então entendeu a  que veio a estátua e seguiu até a cidade onde faria novos planos. E o que foi à floresta...  Bem... O que foi à floresta que se foda por lá.

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